03. Quando eu conheci ele

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Eu lembro das coisas antes delas acontecerem.

Hoje choveu de manhã. Às seis. Agora à tarde, após sair do colégio e vir para casa, o sol lentamente se desvanece no horizonte. A chuva passageira de mais cedo deixou o céu nublado o dia inteiro. Fui para o colégio, como ontem, e agora volto para casa após comprar um café frio em uma máquina automática que encontrei pelo caminho. Moro com minha mãe em um pequeno apartamento que fora da minha avó antes dela, em baixo de um barzinho alternativo em shibuya.

Porém, eu não estou em shibuya agora, e sim em kabukicho. Para ser mais exata, no limite entre shinjuku e shibuya. Longe de casa. Vim até aqui com algumas garotas do colégio — elas insistiram tanto que fiquei com vergonha de recusar. Não sou de sair em passeios por aí, não faz muito meu estilo dar perdido em Tokyo para beber ou cantar em um karaokê, mas elas disseram que uma garota bonita como eu não pode ficar escondida entre a casa e a escola. Ao ouvir isso, quis acreditar que era verdade, então decidi acompanhá-las.

Mas eu estou perdida agora, e alguém me segue ao fundo.

Sinto o olhar dessa pessoa preso às minhas costas. Nunca fui de sentir pânico ao andar sozinha pelas ruas, mas agora é quase noite e essa pessoa atrás de mim me dá calafrios. Olho para trás, com cautela, e vejo um cara ruivo e esquisito me olhando de esgueira. Ele sorri quando nossos olhos se chocam. É nesse momento que sinto asco e desespero.

O meu primeiro impulso é acelerar o passo, sem olhar para trás, na esperança de que tudo não passar de um mal-entendido. Em kabukicho a criminalidade é maior se comparado a outros bairros de Tokyo, mas você nunca toma fé disso até estar em uma situação como essa. Estou no coração do subúrbio, mesmo que esteja escurecendo, as pessoas não diminuem o fluxo nessa região. Isso poderia me ajudar, se ao menos houvesse alguém nas ruas. Caminho até entrar em uma viela bem iluminada e cheia de barzinhos. Mas isso só piorou. Homens estranhos assoviam para mim da calçada.

O cara ruivo continua atrás de mim quando espio discretamente, mesmo após eu virar três ruas e andar ainda mais rápido. É desesperador. Nem mesmo sei onde estou agora. Eu deveria voltar de onde vim e pegar a linha do metrô, porém quando se tem um cara assustador te seguindo fica um pouco difícil de pensar racionalmente. Começo a correr agora, o meu café cai, e ignoro o fato de estar parecendo aterrorizada, quase tropeço nos meus próprios pés para alcançar a próxima esquina. Corro, cambaleio e suo feito uma louca. Ele ainda está ali atrás, me seguindo.

Sinto que vou cair de cara no asfalto a qualquer momento, então viro rapidamente a viela no fim do beco. Dito e feito. Dou de cara com alguma coisa e desabo no chão — a bolsa que estava no meu ombro se choca na rua e esparrama todos os meus pertences. Ainda meio desnorteada, tiro os cabelos do rosto, e olho para cima.

Se me perguntarem, direi que lembro das coisas antes delas acontecerem. Esse pensamento não me abandona.

Não dou de cara com alguma coisa, e sim com uma pessoa. Duas, na verdade. Dois garotos. Isso me desespera ainda mais, pois estive fugindo de um, e agora terei que encarar o dobro. Eu deveria...

— 'Tá perdida, gatinha?

Quem pergunta é um garoto loiro, com as duas mãos nos bolsos e lábios curvados. Ele exala uma aura estranha e masculina. A mesma aura dos líderes da yakuza, se assim posso dizer. Senti um sentimento de arroubo subir nas minhas entranhas, como um sinal de alerta para fugir. Eu deveria tentar escapar..., mas sou completamente cativada por uma beleza selvagem, por esse rosto fino acompanhado de cabelos loiros de comprimento médio, puxados para trás com a ajuda de um elástico. Os olhos dele são estreitos como a linha de um pincel, escuros e intimidadores.

— G-gatinha? Meu nome é Sonozaki...

— Se o Mikey disse que é gatinha, então agora é gatinha. Sacou?

MADDEN, manjiro sanoOnde histórias criam vida. Descubra agora