As folhas secas começaram a cair. O fulgor da primavera se esvaiu em duas semanas. Meus sonhos estranhos eram cada vez mais frequentes e eu ainda me perguntava se estava enlouquecendo.
A falta das coisas simples pesava. Teria dias contados em que eu ainda acordaria esperando encontrar o verde de Novyi Zem. As orações dos sacerdotes. Maly reclamando do mingau pela manhã. Mas se eu havia sido mandada de volta para cá, quase magicamente, após anos longe, não era á toa.Ser a Conjuradora do Sol. Destruir a Dobra. Era tudo o que importava agora. Infelizmente, nada estava dando muito certo.
— Quem está te segurando, garota? — Bahgra reclamava.
— Ninguém.
— Não? — ela me desafiava. — Use esse poder então! Conjure!
Era impossível alcançar mais do que um leve brilho sozinha. O motivo ainda passava nublado e desconhecido pela minha mente. Meu coração se apertava, desconfiando que o bloqueio era fruto de algo que não deveria ser lembrado. As vezes, quando Bahgra tentava me dar algum chá na esperança de facilitar minha concentração, flashes voltavam. Bagunçados e desajeitados, da época em que uma menina gostava de rabiscar o chão com carvão.
A biblioteca era meu refúgio. Sossegada e espaçosa, sempre sem as fileiras Grishas que ficavam no refeitório e perto do lago. Em uma tarde quando estava a caminho de mais alguns livros, o vi. O Darkling parou por um segundo, virando sua cabeça em minha direção e me dando um aceno. Olhei para aqueles dedos longos que já escovaram uma mecha solta do meu cabelo, acenando de volta. Sempre que possível ele faria isso ou diria “Olá, Alina" e nós seguiríamos para o que estávamos fazendo. De alguma forma, eu pensaria naquele pequeno gesto antes de dormir.
— Ele viaja muito. Não tem muito tempo para ficar aqui — disse Genya uma vez
Era compreensível. Ser o homem responsável por todo o Segundo Exército devia sugar todo o tempo do mundo.
— Acho que acenar pra alguém já é uma grande coisa — completou a ruiva com uma risada no final. — Ele não nota a maioria de nós.
A parte órfã, carente por atenção e afeto se esgueiraria em mim nestes momentos. E então, eu me lembraria de que não teria valor para o Darkling. Não enquanto não fosse capaz de ajudar Ravka.
Suspirei derrotada ao final da semana. Os Grishas saíram para se divertirem nos arredores de Os Alta. Pelo bem da minha segurança eu tinha a desculpa perfeita para ficar no Pequeno Palácio. O único problema é que já passavam da meia noite e eu não conseguia dormir. Ainda havia um pouco de chá que Genya havia arrumado para nós no final daquela tarde, mas estava frio. Os servos já haviam se recolhido. Se eu alcançasse meu poder talvez pudesse esquenta-lo.
O vento entrava pelas frestas da janela e a pequena camisola que eu usava não fazia muito para me aquecer. Decidi me levantar, procurando pelo meu kefta. Ao passar perto da porta, quase chegando ao guarda roupa, ouvi vozes. Vozes bem familiares.
— Diga, Ivan.
Era o Darkling, percebi. Sua voz baixa parada em algum canto do corredor.
— O problema será a reação dos homens, moy soverennyi. Isso é apenas...
— Não estou interessado no que um bando soldados pensam.
Eu deveria parar por aí, pegar um kefta que me aquecesse e voltar para cama. O final daquele corredor levaria para a ala do Darkling, não seria uma surpresa ele passar por ali. Porém, me aproximei da porta, que provavelmente algum servo tinha esquecido entreaberta, e os avistei.
— Sim, moy soverennyi. No entanto, não há nenhuma garantia de encontrarem.
Os olhos do Darkling brilharam com as palavras do sangrador e sua boca se abriu em um sorriso faminto.
— Eles vão encontrá-los. E quando encontrá-los nós estaremos lá. Estamos entendidos?
— Sim, moy soverennyi — disse Ivan humildemente.
O que eles estavam procurando?
De repente, o Darkling mirou os olhos em minha direção.
— Por que não há nenhum guarda aqui? — ele falou entre os dentes, virando-se para Ivan.
Suspirei aliviada. Não tinham me visto bisbilhotando.
— É o horário de troca. Haviam dois estacionados, mas um deles se acidentou antes de ontem.
— E por que ninguém o substituiu? Como você não me avisou ?— agora sua voz tinha subido um tom e ele passava as mãos pelos cabelos.
— Eu... Perdão, mas isso não é do meu designo, moy soverennyi.
— Tudo o que diz respeito da Conjuradora do Sol é de seu designo, Ivan! Ou você se esqueceu de como toda Ravka está perdida sem ela?
Seus olhos vidrados e as mãos em punhos ao lado do corpo me assustaram por um segundo, me fazendo dar um passo para trás, perdendo o equilíbrio por um instante e lançando-me na madeira fria.
O Darkling não hesitou em passar pela porta.
— Alina.
Minhas bochechas se esquentaram na mesma hora que o vi. Eu estava ainda no chão quando ele rapidamente chegou ao meu lado.
— Estou bem — tentei dizer, mas ele já estava rodeando seus braços fortes e me içando do chão.
Me lembrei daquele aperto. Aquele mesmo aperto da tenda de Kribirsk. Eu poderia ficar naquele conforto quente por muito mais tempo do que deveria.
— Ivan, chame um curandeiro — disse ele ainda comigo nos braços, me fazendo sair de um estupor e me afastar.
— Não, por favor. Não me machuquei.
Ele pareceu deliberar por um momento, aqueles grandes olhos negros me fitando cuidadosamente.
— Eu realmente estou bem.
Apesar da dor que irradiava do meu traseiro, era verdade.
— Um servo, Ivan.
O Sangrador assentiu e desapareceu enquanto uma carranca de protesto se formava em mim.
— É sério, não precisa acordar ninguém...
— Você está fria, Alina. Eles vão se encarregar disso.
— Eles devem estar dormindo, eu posso me virar se jogar meu kefta por cima para dormir.
— De jeito nenhum — o Darkling balançou a cabeça veementemente, seus fios escuros caindo sob a testa com um vinco.
— Tudo bem — murmurei derrotada.
Eu deveria me sentar? Oferecer algo para ele? Ele não tinha saído do meu quarto, talvez ficasse até o servo chegar.
Me movi até a mesa que ficava ao centro, sentindo seu olhar sob minhas costas.
— Aceita kvas? — perguntei.
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Where do you belong?
FanficAlina Starkov nunca pertenceu à lugar algum. Aos oito anos seu pai misterioso reapareceu em Keramzim e a concedeu um desejo: ir para qualquer lugar que ela quisesse. Junto com o garoto á qual era inseparável, ela sai do orfanato e corre para sobrev...