Vingança e Justiça

4 0 0
                                    

Havia um grande mal naquele homem; por esta razão foi traído por seus semelhantes e trancafiado no útero da terra, no mais profundo abismo que se possa imaginar. Lá, entranhado nas trevas, não havia provento ou companhia que satisfizesse sua humanidade quase perdida.

Para ter certeza de que não haveria escapatória, seus braços foram transpassados por grossos e enferrujados parafusos, enormes porcas de aço velho foram afixadas e não havia demônio ou anjo que as removesse dali.

Seus iguais o fundiram à parede da caverna e ali o mal que o profanava devoraria sua mente e carne até restar apenas a mera lembrança de seu nome: Vertri.

Abandonado nas sombras, restava apenas lembrar-se do que o trouxera até ali.

O ano era 123 da Era Dourada dos Reis e Rainhas de Limiar. A magia era apenas ritualística e servia para aconselhamentos do povo e adoração aos deuses. Naquela época não havia grandes guerras e os povos viviam uma paz delicada, quase superficial.

Amadeus vinha de uma linhagem de ferozes guerreiros e desejava somente o silêncio e a paz. Naquela tarde, Vertri, seu filho, completava 16 anos e, como diz a tradição, o pai elevaria o filho e o tornaria homem pelo caminho do guerreiro.

Vinte anos antes, Amadeus conhecia Violeta e a amaria até o último dia de sua vida. Dentro desta obviedade contraíram matrimônio. Foi a contragosto de Vitorius, pai de Amadeus, que em momentos de bebedeira, revelava os desejos carnais que nutria em relação à nora. Tantas vezes a cena se repetia que corria pela boca das vilas que Violeta havia se deitado com Vitorius e maculado seu noivado. Após a cerimônia, o jovem casal partiu para além do Vale Cristalino para se resguardar da língua e dos olhares do povo. Não importa a era, o ser humano é cruel e não poupa palavras para julgar o próximo.

Fazia um clima tórrido naqueles dias, mas os pássaros teimavam em enfeitar o ar com sua cantoria. Ao longe, era possível ouvir o gorgolejar de um furioso rio e os peixes enfrentando a correnteza. Violeta era uma mulher linda, mesmo lavada de suor por haver dado à luz naquela manhã ao filho de Amadeus. Vertri significa surgimento e seus pais acharam o nome apropriado, pois cada dia é um novo descobrimento sobre todas as coisas que participavam de suas vidas. Assim como no sexto dia da criação do mundo, Vertri surgia para selar em definitivo o Éden daquele amor.

Amadeus não poupou o filho de alguns arranhões e hematomas, sabia que os golpes que a vida nos dá, quando não matam, apenas nos fortalecem. O ritual de passagem de Vertri findou no momento em que o almoço ficava pronto.

Já voltavam para dentro de casa quando os primeiros pingos de chuva caíam do céu azul quase sem nuvens. Ao acabar de preparar o almoço, Violeta enxugou as mãos no avental surrado e foi até a janela para chamar o filho e o marido. Vertri era todo orgulho e dizia para a mãe que agora era um homem e que usaria a espada para protegê-la assim como o pai.

A família ria e se deleitava com a farta refeição. No frescor da chuva que decorria no fim da tarde, Vertri repousava num sono profundo e sequer ouviu os cavalos de batalha parando na frente da casa. Não acordou com as ofensas dos cavaleiros à honra de Violeta e Amadeus.

O que despertou Vertri foi o raio e o trovão. Assustado, ouvindo a discussão, correu em direção à porta. No entanto Violeta, prevendo o pior, já a havia trancado. Lá fora, Amadeus sacava a espada e desferia violentos golpes contra seus opressores. Vitorius, que era um deles, divertia-se com cada movimento do filho. Não era considerado um bom homem, mas era muito rico e isso já comprava a lealdade de muita gente; agora, o que lhe traria prazer era destruir a paz daquela família. As pesadas espadas pareciam bailar em ritmo com os relâmpagos. Quase era possível escutá-las cantando.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 24, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

NAS CORRENTES DO TEMPOOnde histórias criam vida. Descubra agora