O frio na barriga vai até a primeira conversa.
O encanto vai até o primeiro beijo forte.
A paixão vai até o primeiro sexo.
E o amor vai além da primeira morte.
– Pedro Salomão
Killua Zoldyck caminhava pela calçada, usando roupas de frio. Um frio que nunca mais poderia sentir. Passava pelas pessoas que não o percebiam, e não sentia o toque quente do Sol que castigava Nova York em pleno verão. Perdera as contas de quantas vezes já havia feito aquele mesmo trajeto, e revivido aquelas mesmas lembranças – suas últimas.
O frio.
A caminhada apressada.
A discussão que estava tendo com seu namorado.
Nem importava mais o motivo da briga, pois suas memórias logo eram invadidas por um carro desgovernado.
Estilhaços de vidro.
Buzinas.
Um último abraço em Gon.
Aquela havia sido a forma que encontrara de proteger a pessoa que ele mais amava, pelo menos uma última vez.
Gritos.
Sangue.
E os batimentos cardíacos descontrolados de Gon.
Aquilo era um alívio para o albino, ao menos havia uma chance – ainda que pequena – de que ele sobrevivesse.
Uma dor excruciante, e então, nada.
Vazio.
Silêncio.
Escuridão.
A partir daí era como se fosse um expectador e assistisse a cena. Tinham chegado viaturas e ambulâncias, e uma delas levou seu corpo. Seus cabelos brancos parcialmente tingidos de vermelho pelo seu sangue.
Gon estava inconsciente. Ficaria bem, já que o corpo de Killua absorvera quase todo o impacto. Mas isso não era o suficiente para tranquilizar o Zoldyck, que correu como jamais havia corrido em toda sua vida, na ânsia de alcançar a ambulância. De saber se seu namorado realmente ficaria bem.
Mas algo o deteve.
Uma barreira invisível, algo como um campo de força.
E o albino fica lá, incapaz de fazer qualquer coisa a não ser observar o corpo de Gon Freecs ser levado. Nesse momento ele se deu conta de sua situação. Olhou para si mesmo, vendo seu "corpo" em tons azulados e translúcidos. Também percebeu que o frio de inverno que fazia na cidade não o afetava mais.
Se Gon estivesse ali, diria que o azul – a cor preferida de Killua – caía muito bem nele. Também riria e faria algum comentário sobre não ser um azul tão lindo quanto o dos olhos do Zoldyck.
Mas Gon Freecs não estava lá. Nem tinha certeza se estava vivo. E do que adiantavam agora suas saudades? Agora que havia morrido e se tornado algo que mais parecia um fantasma, preso ao local onde morreu, não tinha como dar um abraço no moreno de quem tanto sentia falta.
Suas preocupações ainda estavam ali, e ele estava destinado a passar a eternidade revivendo suas dolorosas lembranças. O céu cinzento de Nova York e os flocos de neve – que passavam direto por si ao cair no chão – pareciam compartilhar de sua tristeza.
Killua gritava. Mas ninguém poderia ouví-lo. Não importa o quão alto, ninguém o ouviria. Aquele céu nublado e a neve eram a única testemunha do sofrimento do garoto.
Um ano e meio havia se passado, e então era verão. Se alguém pudesse lhe ver, seria com certeza uma cena estranha. O sobretudo pesado, o cachecol e as botas contrastavam com o calor infernal que fazia em Nova york.
Aquela era apenas mais uma tarde como todas as outras que haviam passado desde o ocorrido.
Pessoas.
Que iam e viam, cada uma trazendo consigo sua história.
Mas não ele.
Não a única pessoa que povoava seus pensamentos.
Tudo naquele dia lembrava ele. O verão era sua estação preferida, e até os poucos pássaros que sobrevoavam a metrópole faziam questão de mencioná-lo. Killua encarava o Sol – que não machucava mais seus olhos – já acostumado com a tediosa rotina.
Aquela continuaria sendo uma tarde qualquer, se o Zoldyck não tivesse avistado alguém familiar do outro lado da rua.
Ele poderia reconhecê-lo mesmo de longe.
Ao lado de seus amigos, Leorio e Kurapika – que aparentemente tentavam animá-lo – estava Gon Freecs. O mesmo de um ano e meio atrás, apesar de parecer um pouco mais magro.
A pele amorenada.
As sardas.
O mesmo corte de cabelo.
O mesmo gosto estranho por roupas verdes.
Não restavam dúvidas.
Gon estava com olheiras e a expressão um pouco triste e cansada. Aquilo apertou o coração do albino. Mas logo ele ria de algo que Leorio falava, e então ele teve a certeza que tanto precisava.
Aquela risada.
Brilhante.
Quente.
Cheia de vida.
A risada pela qual era apaixonado. Seu garoto, seu tão amado Gon estava vivo. Vivo e bem.
Agora ele sabia, e isso era tudo que precisava saber.
Uma lágrima escorre por seu rosto ainda sorridente. Uma despedida. Killua sente pela última vez os raios de Sol.
Calor.
Vida.
Luz.
Alívio.
Sua alma se liberta, se dispersando aos poucos, dando lugar à paisagem. E finalmente, ele pode descansar em paz.
Extra:
Do outro lado da rua, um garoto chora silenciosamente, molhando sua camiseta verde. Mas não importava. Ele tinha certeza do que viu. Killua, da mesma forma como se lembrava da última vez.
Seus cabelos brancos balançavam com o vento e ele lhe dera um sorriso reconfortante, como se fosse uma despedida. Logo desapareceu lentamente, e era como se nunca tivesse estado ali.
– Gon, tá tudo bem? – pergunta Kurapika, preocupado com o amigo.
Ele enxuga as lágrimas, e sorri como não fazia há muito tempo. Um ano e meio para ser exato.
– Melhor que nunca.
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Waiting 4 u
FanfictionSinopse: Um momento. Um dia, em alguma hora específica, numa fração de segundos. Esse pequeno pedaço de tempo, aparentemente insignificante, é o bastante para mudar a vida de duas pessoas. Esse é o poder do tempo. E se não tivessem dobrado aquela es...