E eu andava. Eu só queria andar.
E já sentia tudo ao mesmo tempo. Estava um dia claro demais, azul demais, não estava enxergando direito. Para falar a verdade, não olhava para nada, olhava para baixo, olhava para dentro. E como eu queria andar!
Meu cachorro puxava e eu resistia, ele queria correr, parava de repente para cheirar e marcar o território. Toda hora!
— De novo, Bob? Vem! — E o puxava porque eu só queria andar.
E esquecer que há menos de uma hora minhas férias haviam se transformado em um castigo em definitivo. Lembrando do meu irmão entrando no ônibus leito, eu parada ao lado da minha mãe na plataforma 23 da Rodoviária Novo Rio. Ela acenava gritando para ele, "Vai com Deus, meu amor!", e eu abraçada à minha barriga por cima do casaco. Pedro foi e eu não, porque eu estava de castigo; uma tragédia anunciada pela orientadora pedagógica quando chamou minha mãe à escola, em abril. O primeiro de muitos zeros e notas vermelhas da melhor aluna que a escola já teve. Até aquele momento, eu era considerada excepcional! E, ainda por cima, eu era bailarina.
Eu só queria andar pelas ruas do condomínio. Bob estava feliz, quase não saía de casa, coitado. Eu arfava com as lembranças. O que eu estava sentindo? Raiva da minha mãe por me botar de castigo, porque fui mal na escola uma vez na vida? "Você só pensa no ballet !". Inveja do meu irmão indo a Porto Alegre visitar meus primos depois de tanto tempo sem vê-los? Eu nunca fui a Porto Alegre! Contei os dias para que 1.º de julho chegasse... Eu sonhei com essa viagem, planejei os lugares que queria visitar desde que eles se mudaram para lá no início do ano! Comprei roupas novas! Não era justo!
— De novo, Bob! — Eu já estava impaciente. O que eu ia fazer em um mês? Estudar nas férias? O que ia adiantar isso? O que minha mãe queria de mim, que eu largasse o ballet ? Como resolver se nem eu sabia por que eu comecei a ir mal na escola tão de repente? Fiz ballet a vida inteira! Será que era porque eu estava no último ano da escola de dança? O que eu tinha a ver eu perder a viagem com notas vermelhas e ballet ??
"Outra nota baixa? Você vai perder a viagem, Luzia!"
Perder a viagem, Luzia... Praga de mãe pega.
Eu achava que era raiva o que eu estava sentindo quando, em meio às minhas perguntas, eu mesma me respondi: "Não importa mais". E uma dor no peito me sentar no meio-fio para chorar.
Bob me puxava.
E eu só queria ficar parada.
Chorando abraçada aos joelhos, me sentindo uma desgraçada.
— Tá tudo bem?
Levantei os olhos num susto, morrendo de vergonha. Sequei rápido o rosto e o vi. Fiquei... petrificada, hipnotizada... Sei lá como fiquei!
Era o cara mais lindo que eu já tinha visto no mundo inteiro.
Tapava a luz do sol com o corpo quando quis saber se eu estava machucada. Tinha o skate no pé e cara de preocupado, estendeu a mão para me ajudar a levantar. Quando o toquei pela primeira vez, eu senti uma certeza de que a gente ia namorar logo.
Não contei para ele por que eu estava chorando, ele também não perguntou. Ao descobrir disso, quis saber se eu morava por ali, depois de entender que eu não tinha machucado nenhum.
Gigante, forte, cabelo crespo bem cortado à máquina, voz grossa, negro de pele clara e pequenos olhos verdes. José Carlos dos Santos Júnior parecia um deus!
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Luz dos olhos
RomanceUma bailarina católica de 16 anos. Um jogador de futebol do Flamengo. O Rio de Janeiro do final dos anos 1990. E o primeiro amor frustrado.