O Andarico

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É chegado um momento de minha vida em que o cansaço e a solidão tomam conta do meu ser, da minha alma. E além de aturar esses dois cruéis inimigos que minha carne já pôde suportar,eu teria de enfrentar também o desprezo das pessoas. Talvez por eu ser um simples e humilde homem que não tem o que comer e nem sequer o que se vestir, mas sorte minha que eu tenho ainda o meu maior poder e, mesmo apesar das dificuldades enfrentadas em toda minha vida, ainda me sobra forças para lutar e acreditar num futuro melhor. Um futuro que eu poderia ter a oportunidade de fazer diferente dos descasos que sofri,mas suportei tudo graças a minha fé, essa por sinal, ninguém pode arranca-la de mim. E nessa confiança eu vou levando a vida, pois sinto que minhas dores podem se transformar em uma história de superação e uma grande lição de moral para muitos.

Passeando pelas ruas do centro da grande Belo Horizonte eu pude perceber um anúncio de venda de um belo restaurante, um dos mais frequentados que meus simples olhos poderiam observar, neste, continha uma única faixa que dizia: "vende-se este estabelecimento. Restaurante do Zé".

O mais interessante é que um homem como eu que não tinha sequer o que comer e nem o que se vestir,sentia no coração algo mais forte do que minha simples realidade, então me aproximei desse estabelecimento e perguntei:

- Ei, você de camisa preta.
- O que você quer seu andarilho nojento, já está atrás de restos de comida? O restaurante acaba de abrir, ainda não temos restos para você.
-Mas eu só queria...
- Chega! Não enche mais a minha paciência e vai embora, você vai espantar meus clientes com esse teu cheiro horrível.

Eu já estava acostumado com minha situação de ser um Zé ninguém, uma rejeição a mais ou a menos não faria nenhuma diferença. Após ser negado de apenas falar, segui a diante, mas como eu disse, algo muito forte tomava conta de mim. Eu precisava voltar naquele lugar, talvez eu terei sorte de não encontrar com aquele homem estúpido que nem sequer me ouviu, afinal, eu não estaria roubando nem nada.

No outro dia, esperei passar umas duas horas a mais do horário que fui no dia anterior para quem sabe ter mais sorte dessa vez,mas não, lá estava àquele homem novamente. Sem outra opção a não ser a de desistir e isso não estava nos meus planos, segui em frente.

- Ei, eu gostaria de saber...
- Mais de novo você seu mendigo nojento. Eu já disse pra vc não voltar aqui, não ouviu?
- Eu só queria saber...
- Não encha, vai embora.

Novamente frustrado por ser interrompido de apenas falar, eu continuei a caminhada sem baixar a cabeça na esperança de um dia conseguir fazer uma simples pergunta que para muitos seria motivo de deboche e ironia. Eu só queria saber o preço daquele restaurante, mas ao mesmo tempo eu não entendia o motivo de querer saber isso, eu não tenho dinheiro nem para me sustentar e nem para ser visto pelos outros como um ser humano normal.

Novamente o desejo de ir até aquele restaurante toma conta de mim,mas eunja estava decidido que seria a última tentativa, afinal foram muitas interrupções e eu não aguentaria mais uma vez ter que passar por isso.

Decidido a enfrentar aquele homem arrogante que sempre estava de camisa preta social, eu me encorajei e fui no mesmo horário que eu sempre passava por lá.

- Senhor, posso lhe fazer uma...
- Não é possível, que andarilho mais insistente. Ei,Marcos, chame os seguranças para mim, vou dá um jeito nesse favelado.
- Mais senhor, eu só quero saber...
- Já chega! Não me importo pelo que você quer saber.
- Senhor,senhor, senhor.

Eu fui barrado e retirado de lá pelos seguranças que pareciam dois gigantes de tão fortes.
- E agora, como vou saber o preço daquele restaurante e pra quê esse desejo continua a me corroer, eu sou um simples andarilho.

Andando pelas ruas e sem rumo, percebi que uma senhora estaria me observando, e acho que ela conseguiu presenciar toda aquela situação. Essa certeza eu tive quando ela se aproximou de mim e disse:
- Toma filho, é pouco mais é de coração. Dá pra você comprar uns pães para você comer durante todo o dia.
- Mas senhora, eu só queria saber o...
- Não precisa se justificar filho, eu conheço esse tal Zé dono daquele restaurante, ele sempre foi um grosso.
- Senhora...
- Fica com Deus meu filho.

Eu não sabia se ficava triste ou se ficava feliz, fui mais uma vez interrompido de falar mas desta vez eu senti que pelo menos fui tratado como um andarilho e não como um cachorro de rua.

Com as moedas na mão doadas por aquela senhora eu passeava sem destino algum pelas ruas, nem fome eu sentia, mas lá estava eu de peito erguido e com uma alegria tremenda em meu coração.

Cansado de andar e com sede, decidi parar para descansar um pouco e comprar uma água com as moedas que a senhora me deu, mas fui interrompido por uma muvuca que saia de uma casa lotérica logo a minha frente. Muitas pessoas saiam de lá comentando: vou ganhar esse dinheiro e vou ser um dos mais ricos do Brasil.

Olhei para uma placa na lotérica que dizia: mega sena acumulada em 10 milhões. A alegria que senti no coração foi maior que o desejo de perguntar o preço daquele restaurante. Eu me sentia feito um louco sem saber o que fazer, mas como eu sempre ouvi meu coração e meus instintos e claro, sempre ouvi minha fé, decidi apostar todas as moedas naquele tal prêmio de 10 milhões, afinal, eu não teria nada a perder a não ser a esperança.

No dia seguinte saiu o resultado e, pimba, eu ganhei o tão sonhado prêmio que era o desejo de todos. A alegria foi imensa, eu não conseguia me conter, quis logo ir novamente naquele restaurante e eu queria ver a cara daquele homem quando eu dissesse pra ele que eu tinha dinheiro para comprar seu restaurante. Mas algo me tocou e me fez mudar de ideia, eu queria ir ao shopping e comprar uma bela roupa e fazer um lindo corte de cabelo, cabelo não, vou fazer o serviço completo. Vou cortar a barba também, agora eu tenho dinheiro né.

No dia seguinte lá estava eu, todo arrumado e bonito, nem parecia aquele andarilho humilde. Chegando na porta eu percebi aquele homem de preto que sempre me humilhava conversando com alguém no celular, sentei em uma das cadeiras e logo veio um garçom me atender.

- O que o senhor deseja?
- Apenas uma água.
- Uma água? Com essa elegância toda?
- Sim! Apenas uma água.

De fato, o tratamento foi outro. Na conversa do homem de preto no celular eu pude ouvir uma de suas falas quando ele dizia:

- O que será de nós meu amor, estamos cheios de dívidas e se não vendermos esse restaurante nesse mês não vamos ter dinheiro para comer e muito menos para pagar os funcionários.

Cheguei até esse homem e ele desta vez, já me tratou com diferença, pelo menos desta vez ele me ouviu.

- Eu gostaria de saber o preço desse estabelecimento, está a venda não está?
- Sim,está.
Ele respondeu todo feliz.
- Eu quero comprar, qual o preço?

Ele me olhou bem nos olhos e logo começou a chorar.

- Você é aquele andarilho que vinha aqui todos os dias e eu sempre te Tratava mal, não é?
- Sim,sou eu. Mas deixa isso para trás, quero comprar seu restaurante e assim você terá condições de pagar os funcionários e resolver sua vida.

Ele me abraçou, beijou a minha testa implorando por perdão e todo o restaurante ficou olhando para nós. Isso nem me importava, a única coisa que me importava foi saber que por trás da grosseria de uma pessoa sempre poderá existir um grande problema, uma grande dor.

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⏰ Última atualização: Nov 24, 2021 ⏰

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