Capítulo III

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Her father sold her to the trade when she was just a child 

Where did Jesus Go?, The Pretty Reckles


- O que é que um anjo das Dominações deseja de mim? - Ezra, era assim que o demônio se chamava, questionou, se atirando, sem preocupação, para um cadeirão de cabedal negro.

Da primeira vez que o vira, talvez, devido à distância, não me apercebera da exata perfeição de suas feições, de seu nariz direito, dos lábios bem desenhados e curvados num sorriso sarcástico, das sobrancelhas inquiridoras e insolentes. 

- Vim em missão de paz - declarou Daniel.

- "Paz" - corrigiu o demônio, fazendo o símbolo das aspas com os dedos.

- Paz - insistiu o anjo.

- Continue - pressionou Ezra, com visível impaciência.

- Trouxe uma oferenda - Daniel fez sinal para que me levantasse. - Como prova de nossa boa-fé.

Engoli em seco e, com as pernas a tremer, fiz o que ele me pedia. Fui assustada por uma gargalhada que ecoou pela sala, uma gargalhada seca e sem qualquer sentimento.

- Fé? Esse não está preso, com os outros? - o demônio interrompeu seu discurso para olhar para mim. Seu olhar tomou uma tonalidade verde-escura e observativa. Segui seus olhos pelas pontas de meus pés, subindo por minhas pernas, por meu estômago, peito, pescoço e, finalmente, parando em meu rosto e nos meus cabelos revoltos. Suas feições se mantiveram numa máscara, sem qualquer rasto de emoção que não fosse tédio. - Não a quero.

Uma onde de alívio se espalhou por meu corpo. Meus músculos começaram a relaxar e até me dei ao luxo de fechar os olhos por um momento, apenas para descansar as pálpebras. Quando os abri, olhei para Daniel e sorri, num pedido silencioso para ir embora. Doeu vê-lo me ignorar e fitar Ezra com uma atenção redobrada.

- Consideraremos tal ação como um insulto, Guardião, portanto, é melhor reconsiderar. 

O demônio deu outra gargalhada como a primeira.

- E acham que me importo? Não quero saber de vocês, nem dos humanos, especialmente dos humanos. Não tenho servos humanos. São fracos, lentos, possuem vidas curtas e têm a estranha tendência de se apegarem às coisas e aos outros. Não me servem para nada.

- Nem para alimentação?

Meu coração passou uma batida em falso e olhei, novamente, para Daniel, pedindo uma explicação. Era suposto estar do meu lado. O que estava fazendo? 

- Alguns nem para isso - declarou Ezra. - Sabe, Daniel, para um demônio conseguir se alimentar convenientemente de um humano, este deve de possuir uma característica muito importante que o torna tão puro que quase que se aproxima daquele poder que vos alimenta e que nos alimentou a nós, um dia.

- Está falando do nosso Senhor - interrompeu Daniel, irritado.

- Depende do que quiser acreditar. Continuando, bem, essa característica... Pelo modo como esta humanazinha olha para você, como se você próprio fosse o tal senhor que proclama, me leva a crer que ela não a possui.

- Ela é virgem.

O anjo nem pestanejou. Então, por isso é que me haviam escolhido? Por ser virgem? E não era supostoDaniel me defender? O que se estava passando? Começava a sentir que o mundo todo estava contra mim. Uma pressão no peito ameaçava se transformar em choro e eu não queria ser assim. Queria ser forte para enfrentar aquilo, para enfrentar todos.

Entre Anjos e DemôniosOnde histórias criam vida. Descubra agora