Capítulo VI: Egoísmo...

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"_Não me peça para compactuar com isso. Não é justo.

_Não é justo? Você diz isso logo para mim, que me tornei um dependente de equipamentos para manter essa droga de organismo funcionando e perdi 15 quilos? Que tive a garganta arrebentada nessa merda de situação, onde deveriam ter chamado um padre e não policiais?

_Não é porque você se feriu nesta merda, que pode achar que vai convencer algum de nós com esse discurso fajuto de autopiedade! É egoísta da sua parte fazer isso."

Seu semblante triste aparentava mais a depressão do que o fato de estar pensativa se ainda os acompanharia naquele sombrio caso, o qual praticamente sequer aguentava ouvir mencionar o nome de Jason, mas sabia que aquele tormento nunca teria fim se não terminasse o que começou. Sua boca foi ágil para dizer "sim" antes de participar de um mistério e investigá-lo, agora será forçada a dizer "sim" para finalizá-lo. Apesar de ser egoísta da parte de Mark utilizar chantagem barata para lhe convencer, seria igualmente egoísta se deixasse toda a responsabilidade nas costas de seus subordinados; querendo ou não, a líder era ela.

Os dentes procuravam alguma brecha nas unhas da mão esquerda para roer ainda mais, enquanto a mão direita coçava o topo da cabeça cheia de indecisões. Estava tão distraída que pulou quando Charlie a chamou para jantar.

_Está tudo bem?

_Sim, só estou com a cabeça cheia. - Disse, sacudindo seus cabelos e virando o rosto de um lado para o outro a fim de afastar todas as dúvidas que a afogaram naquele momento; ou, pelo menos, tentar disfarçá-las para aproveitar o jantar em família.

_É em relação a seu trauma?

_Sim e não; na verdade, estou pensando sobre tudo ao mesmo tempo: o caso que preciso resolver, a recuperação da minha sanidade, a discussão com Mark que tive mais cedo, o retorno à corporação...

_Entendo. O que posso dizer sobre é que tudo tem seu tempo. Não se antecipe demais por algo que você mesma sabe que pode resolver.

- Obrigada, Charlie... - Sorriu ao levantar aparentemente disposta pra comer. - Vamos?

Ao chegar na mesa, três pratos estavam apoiados nela, com macarrão à bolonhesa - seu prato preferido. Todas sentadas, comentaram sobre suas preocupações: Charlotte, sobre suas notas escolares e o quão atolada estava de atividades e provas, além de seu namorado, que estava agindo se forma incomum; Ruth, com as tarefas de casa e a loja de roupas que administrava, com contas intermináveis de custo de materiais, costureiras e funcionários; e Kim, já dito para sua irmã, que repetiu, de sua forma, o que escutara.

_Não, Kimberly! Você não vai participar de um caso que te traumatizou. Nem pensar. - Num tom autoritário, sua mãe respondeu.

_Infelizmente, eu preciso. Nunca contei muitos detalhes disso a vocês, mas existe um motivo pelo qual me traumatizou e não foi somente a morte horrenda do criminoso. Estou sendo mais atormentada a cada dia que passa pela mesma coisa que atormentou o homem que prendi.

_Você tem tomado seus remédios? - A mais velha questionou após beber um copo de suco, pondo-o suavemente de volta na mesa.

_Nos exatos horários. Nunca me esqueço de tomá-los, e mesmo assim tudo aquilo volta para me assombrar, mãe. Eu não estou louca. Sinto que devo terminar o que comecei e talvez você acredite que são apenas alucinações, mas eu sei o que vi e ouvi naquele dia... Não é mais um simples caso policial.

Charlie permanecia quieta, terminando sua refeição, enquanto ambas debatiam sobre a saúde mental de sua irmã. Não se achava no direito de comentar algo que sequer entendia ainda. Não era de sua área de interesse, afinal, e se arrepiava só de pensar que, caso se metesse no assunto, poderia sofrer o mesmo.

_Tem certeza de que você quer isso, filha? Mas preste atenção: depois de você decidir, vou lhe dar suporte, mas quero que vá até o fim, sem deixar o medo se apossar da sua mente como fez nos últimos meses.

_Sim. Se é para eles me deixarem em paz, tenho certeza.

A mãe apenas sorriu em resposta, olhando em seus olhos e enrolando o último punhado de macarrão no garfo para devorá-lo.

Naquele momento, só precisava criar coragem para enfrentar pelo menos seus pesadelos repetitivos e recorrentes, senão, nunca ganharia a confiança que precisava para enfrentar aquela pressão na vida real.

De estômago cheio, caminhou até o banheiro para escovar os dentes; a rotina que sempre adotava antes de deixar o trauma possuir seu psicológico e quase fazê-la enlouquecer... Ou talvez houvesse feito e somente ela não notava?
A água em seu rosto lhe transmitiu tranquilidade, então ficou alguns segundos lavando-o repetidas vezes até criar coragem para levantar sua cabeça e olhar seu reflexo no espelho.
Estava pior do que imaginava e podia ver com exclusividade sua expressão penosa de horror ao mesmo tempo que percebia algo escrito com o batom vermelho de sua mãe.
Ao menos pensava que era com o batom...

"IMPEÇA QUE O INFERNO CONTINUE!"

Não só a água fria escorria do seu rosto desta vez, mas, também, as lágrimas apressadas que se misturavam a ela, transformando o alívio em puro medo.
Seu corpo hesitava em andar para trás. Uma parte de si queria levantar a guarda e dar um soco no espelho; a outra, gritar por sua mãe novamente até que todos lhe socorressem, mas sabia que não poderia conviver assim para sempre. Sem falar no fato de que se sua mãe soubesse de todas as coisas que tem visto, jamais permitiria seu progresso com o caso. Com certeza a internaria em uma clínica psiquiátrica e, aí sim, ficaria louca de verdade.

"_Não! Não me venha falar que temos que continuar essa merda, olha o seu estado! - A voz saía firme e decidida, mas ele sabia que ela estava em Pânico.

Fechou os olhos e se lembrou das palavras do colega de trabalho.

_Nós precisamos... e estarei com você nessa! Kimberly, você confia em mim?"

Que idiotice... É claro que confiava naquele babaca, embora o medo de surtar fosse muito mais intenso.

Ainda ofegante e trêmula, conseguiu balbuciar:

_É-é...

Sua voz era fraca e rouca. Kimberly se sentiu impotente por um certo tempo, mas respirou fundo e completou a frase com o tom mais firme que conseguiu chegar:

[estarei com você nessa! Kimberly, você confia em mim?]

_É SÓ ISSO QUE VOCÊ PODE FAZER? - Em seguida, cerrou os dentes, olhando fixamente para o espelho que não havia mais nada.

Olhou para a pia, notando a torneira ainda aberta. A fechou, respirou fundo e olhou seu reflexo uma última vez.

_Não, o ritual dos ossos precisa parar.

Seu sangue gelou. Sentiu seu corpo fraco, e só não gritou, pois o choque pelo que havia visto foi maior.
O nariz pútrido de Jason quase encostava no seu, mas ainda podia perceber um sorriso macabro no rosto, exalando um hálito nauseabundo que faria um cavalo desmaiar, e os profundos buracos negros, no lugar dos globos oculares que pendiam sem vida fitavam sua alma. Kimberly podia jurar que pensou, por um momento, na possibilidade daquele cadáver devorá-la ali mesmo.

The Ritual Of Bones - Volume IIOnde histórias criam vida. Descubra agora