A Hora do Riso

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Eram quatro da tarde de um sábado e tudo que Bia queria era socar alguém; preferivelmente o pai de Isabela — sua namorada. Ou deveria dizer ex-namorada? Pelo visto o medo que Isabela sentia do pai falava mais alto que o relacionamento das duas. Era tão difícil entender como Isabela pode concordar com a decisão babaca e homofóbica daquele neandertal. Será que ele acha que as pessoas podem simplesmente virar hétero? E como ela pode aceitar parar de vê-la? Não é como se o pai dela pudesse vigia-la vinte e quatro horas por dia. Mais um ano e elas seriam maiores de idade e adeus neandertal, então porque ceder logo agora? Porque terminar? Um ano não é tanto tempo. Bia no fundo sabia que não funcionava exatamente assim, mas precisava liberar sua frustração de alguma forma. Por isso decidiu checar o parque que havia acabado de chegar em sua cidade. O parque Terra Azul – o enigmático parque de diversão que aparecia de dez em dez anos em Laranjal, ao menos era isso que as bocas diziam. Não tinha nada demais em um parque circense aparecer de década em década numa cidade, exceto pelo fato de que sempre que ele surgia havia situações estranhas; mortes, desaparecimentos, pessoas feridas. Nos anos noventa um garoto saiu de lá em coma e está assim até hoje. Claro que tudo isso poderia ser apenas coincidência e se fosse qualquer outro dia Bia não daria a mínima para esse parque. Mas hoje...bem, hoje ela precisava ocupar a cabeça com algo e a droga daquele lugar parecia interessante — ao menos era uma novidade naquele fim de mundo.

Para Bia não havia nada de chamativo na entrada do parque: apenas um lugar feio e mal arrumado. As grades pareciam enferrujadas, os cartazes amarelados de tão antigos. Funcionários cansados e visitantes entretidos consigo mesmos. Ao pagar pelo ingresso e adentrar Bia conseguia ver a roda-gigante, o carrossel, barracas e mais barracas com temáticas diferentes e diversas tendas oferecendo as atrações principais. Uma música circense era tocada por alguma sanfona entristecida. O ar tinha cheiro de terra molhada pós chuva e o sol brilhava cansado no céu. Bia se lembrou das lendas urbanas que ouvia de seus colegas quando ela ainda estava no ensino fundamental; de como o lugar era assombrado. Na época ela morria de medo. Mas hoje em dia — pensando melhor; se o parque fosse mesmo tão perigoso, a prefeitura o proibiria de entrar na cidade. Mas ela sabia que algumas das histórias era verdade ou ao menos partes delas.

Existia palhaços em todo lugar que Bia olhava. Com aqueles sorrisos permanentes e a cara pintada de branco. Todos eles vestindo azul e fazendo algazarra, malabarismo ou vendendo algodão doce — que também eram azuis. Mas Bia se sentia muito amarga para prova-los. Após andar na Roda-Gigante, tentar um pouco de tiro ao alvo — imaginando a cabeça do pai de Isabela na mira, e se rendendo aos quitutes do lugar — e em seguida se arrependendo, pois os doces tinham gosto de remédio e os salgados eram ou muito oleosos ou murchos. Andando até o fundo do parque Bia se deparou em um dos lugares que ainda não havia visitado: O escritório da direção.

Tudo bem, quem diabos iria visitar um escritório quando estava em um parque cheio de atrações? Se bem que as atrações eram muito infantis ou deveras cafona. Para Bia não havia nada mais careta que uma Roda-Gigante ou atirar em garrafas para ganhar um bicho de pelúcia. E por Deus...ela só foi ali a procura de algo mórbido, algo que pudesse distrai-la. Mas tudo que encontrara fora a realidade: pessoas medíocres se divertindo em um lugar medíocre. Invadir um escritório no mínimo era tentador — a chance de ser pega e a possibilidade de descobrir algo curiosos sobre o Terra Azul.

O escritório foi montado bem no fundo do parque. Não havia muitas coisas próximas além de uns postes, tendas desarmadas e lixo pelo chão: latinhas de refrigerante, sacolas plásticas, comida e panfletos. Mas Bia não tinha certeza se havia alguém lá dentro. Então ela teve um plano. Iria bater na porta e caso alguém estivesse lá dentro ela daria qualquer desculpa, pediria alguma informação e saia fora.

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