O homem entrou na barraca. As paredes de papelão se curvavam com os ventos fortes e o frio cortante castigava a pequena lâmpada de querosene. Papel e fogo não eram exatamente a melhor combinação, mas o homem não tinha dinheiro para mais nada.
Três dias.
Sua cadela, escura como o céu lá fora, enroscava - se num canto, tremendo involuntariamente. Devia ser o frio. Os dois estavam com frio.
E fome. Três dias sem comer.
O homem, cansado de mendigar dinheiro ou algum pedaço de pão, se deitou ao lado de Preta, aquecendo - a com seu próprio corpo.
Afinal, por que tentar escapar do frio? Iria morrer dentro de alguns dias. De fome ou de frio. Se é que não o matariam antes. Queimado, talvez. Pelo menos sentiria calor segundos antes de morrer por causa dele.
Morte.
Lembrou - se de um livro que tinha lido, quando ainda ia à escola. Quando ainda vivia. Era a Morte quem contava a história. Gentil, cômica, no mínimo acolhedora. Enfim, virou uma de suas personagens favoritas. "Favorites", pensou, se lembrando de suas aulas de inglês.
Sorriu. Que bobagem! Logo iria morrer e se lembrava das coisas patéticas que estudara na infância. Patético.
Lembrou - se do dia em que chegou em casa. Seus pais, mortos. Suas coisas, roubadas. Sua vida, jogada fora. Apenas sobrou - lhe Preta. Se morresse, o que seria dela?
-Alguém aí?
O homem levantou repentinamente ao ouvir a voz de uma mulher. Saiu correndo de sua barraca, bem a tempo de encontrar uma jovem, com seus 16 anos, segurando um saco de ração e um prato de comida. Ela os entregou ao homem e sorriu. Quando já tinha ido embora, o homem entrou na barraca.
-Preta, acho que enganamos a Morte mais uma vez...
A garota andava só. Seu vestido preto esvoaçando atrás dela. Em seu inconsistente, ouviu o morador de rua falar com sua cadela de que tinham - na enganado. Sorriu.
-Vocês não me enganaram. Nem sabiam que era eu. Só que... A hora de vocês aina não chegou...
