História de ninguém (mas)

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Debruçada sobre a mesa, seu corpo ali dormia. Os lábios entreabertos lhe davam o ar da graça; perguntava-se em sonho como podia ser tão pálida. Viera do calor, no calor se encontrava, mas nem mesmo o Sol parecia capaz de corá-la. Tinha aqueles olhos tristes, amuados, quase sem vida; pudera abraçá-la, num ato de carinho. Ah, tamanho coração que se aperta e desabrocha em seu peito, cujo sangue desagua no leito infinito da dor.

Às vezes temia ser dramática demais.

Amava demasiadamente e sofria igualmente. Ao longe, observava o pai, quotidianamente. E assim era. Distante. Aqui e acolá. Não era silenciosa (talvez tenha sido forçada a ser), mas se emudecia com tamanha frequência perto de sua figura paterna; mas seu ser, ah, quem poderia calar?

Mas, mas, mas. Usava essa palavra com tamanha frequência, poderia fazê-la de sobrenome. Sentada à beira do nada, redirecionou o seu olhar para um outro alguém: tão menos distante, mas igualmente indiferente. Queria confessar os seus segredos, pedir por ajuda, talvez, mas pelo quê? Apenas abraçava os joelhos e nada dizia.

Suspirou e o deixou partir. Era o seu irmão mais velho, afinal, como pediria para ficar? Para ela nada devia.

Ainda sobre o nada, deu uma última olhada em tudo. Talvez buscasse amenizar o sofrer; sentia-se inútil, mas era ótima com histórias mentais. E como era. Decerto era o seu conto de fadas: um eufemismo da realidade.

Mais além, como um ponto retorcido ou um borrão, pôde ver alguém: igualmente mudo, igualmente distante, igualmente tudo que aqui dissera. Se fosse ignorante, o que por certo não era, poderia alegar que jamais o vira em vida, mas tinha boa memória. E como tinha.

Tentou sorrir, mas ele não a veria, então apenas o encarou um pouco mais. Talvez em algum momento ele pudesse vê-la ali, parada, e se aproximasse para dizer olá. Ou apenas fugiria para mais além, como sempre.

Gostaria de dizer algo, mas de sua boca nada saía. E perguntou-se por que. Por quê?

E mais uma vez, nada soube dizer.

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Conto desvairado de um coração dilaceradoOnde histórias criam vida. Descubra agora