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A mão da desconhecida ergueu-se, arrancando o tecido que cobria sua face. A revelação teve o mesmo impacto de uma bomba mágica. Okyam foi o primeiro a reagir, dois palavrões saíram de sua boca e seus olhos ameaçavam pular para fora das órbitas.

A estranha tinha algo em comum com Eloysa. Elas eram idênticas. O mesmo rosto. A mesma voz. Os mesmos olhos. Reflexos vivos, frente a frente.

Alcançando uma barra de ferro, Okyam esbravejou para que a Outra se afastasse. A cópia levantou as mãos, num gesto de rendição, dando pequenos passos para trás.

— Somos a mesma pessoa — revelou a duplicata. — Eu sou a MAGO 25. Você é a MAGO 92 porque nasceu nesta Era. Para os seus olhos, tudo é novo. Eloysa, sua existência é recente...

— Nem mais uma palavra, coisa bizarra! — Okyam firmou o pulso, mas seus dedos tremiam.

Dentre todas as emoções existentes, calma seria a última na lista de Eloysa. Então, por que a voz dela estava branda? Por que seu rosto estava tranquilo?

Tocando o ombro do amigo, ela passou a mensagem. Baixe a guarda. Ele largou o objeto sobre as ruínas e observou Eloysa aproximar-se de sua semelhante. Por fim, ela perguntou:

— O que eu sou, afinal?

— Você é uma Manipuladora Ancestral da Gênese Original. É isso o que significa ser M.A.G.O. — explicou a outra, o rosto calmo. — Preciso que me acompanhe até uma das Torres de Criação. Sua presença é necessária, assim como a de todas as outras Eloysas.

Era muita loucura para uma mente que acabara de perder a irmã. Se fosse um pesadelo, seria o mais criativo de todos. Mas só a realidade era dolorosa assim, ela sabia. Sentindo o peso do mundo sobre sua cabeça, Eloysa desabou.

— Okyam, segure-a! — pediu a cópia. — Ela precisa ser forte, não por mim, não por ela, mas para o futuro. Estamos aqui para impedir que os humanos desapareçam.

Buscando concentração no ar que entrava e saia de seus pulmões, a ex-estagiária encontrou firmeza para se colocar de pé. Poderia fugir para longe, ignorar a intromissão d'A Outra Eloysa ou se entregar para os braços da guerra. Mas a voz no fundo de sua alma dizia para confiar naquela versão esquisita de si.

— Posso usar minha magia e nos levar até o lugar onde tudo ficará claro. — Havia verdade nos olhos da M.A.G.O. 25.

— A magia não pode transportar pessoas! — Contestou Okyam.

— A magia é capaz de muitas coisas, meu amigo, vocês apenas não lembram disso.

Os amigos cruzaram os olhares, dizendo mil palavras em poucos segundos. Ele assentiu, depois de um tempo. A duplicata aproximou-se, concentrou a magia em suas mãos e os fez desaparecer numa nuvem de cores e sons.

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Tremendo sob o ar congelante, Eloysa e Okyam abriram os olhos, vislumbrando as estrelas que pareciam maiores. Ao lado deles, com olhos nebulosos, a cópia aguardava pelas indagações. Por mais que a luz da lua realçasse as semelhanças, a expressão dela possuía algo próprio. A sabedoria era a única diferença entre elas.

— Onde estamos? — Okyam quis saber.

Eloysa olhou para o chão de tijolos e encarou as ameias ao seu redor. Dando alguns passos, ela vislumbrou o céu e se espantou ao constatar que as ruas estavam quilômetros abaixo.

— Por aqui — pediu a duplicata, apontando para o alçapão sob seus pés. — Entretanto, daqui em diante, Okyam não poderá acompanhá-la.

A condição repentina fez Eloysa sentir vontade de empurrar sua outra "eu" lá de cima. Fazendo negativas com a cabeça, ela estava prestes a retroceder em sua decisão de seguir aquela Estranha-Que-Também-Tinha-O-Seu-Rosto.

— Está tudo bem, Eloysa — concordou o amigo. — Nessa história eu sou coadjuvante. — Ele tentou sorrir, mas a tristeza chumbada em sua face não permitia tal expressão. — Esperarei bem aqui. Vá e descubra o que é tudo isso! Você pode confiar na outra Você, eu acho...

Eloysa o abraçou e sussurrou em seu ouvido:

— Não ouse sair daqui sem mim, estagiário!

— Ex-estagiário — corrigiu ele, quase gritando. — Eu me demiti, alguns minutos atrás. Depois que tudo passar, escreverei uma carta cheia de palavrões para aqueles âncoras... Como você diz? Ah! Sim... "âncoras babacas".

Eloysa fez "Aquela Cara" e, logo depois, acompanhou sua cópia, descendo uma longa escadaria escura, abaixo do alçapão. A descida demorou e o silêncio permitiu que a jovem estudasse o local. Era escuro, frio e familiar. Sua mente, caótica, buscava uma explicação, afinal como ela chegara naquele ponto? Um dia comum, como qualquer outro, simplesmente a fez mergulhar num mar de insanidades e cópias perfeitas de si.

Mais abaixo, o breu era quebrado por uma luzinha fraca, iluminando uma cadeira de pedra, ladeada por várias mulheres na penumbra. Os rostos que ali estavam, na base interna da torre, possuíam a mesma feição de Eloysa. A duplicata que estava no centro, era a única que sorria.

— Chegue mais perto, é muito bom vê-la — disse a anfitriã. A postura indicava liderança. — Você é uma parte de nós, assim como nós somos uma parte de você.

— Na mensagem, disseram que o futuro poderia ser assegurado. — Eloysa viu mais de oitenta Eloysas encararem-na. Uma, em especial, usava o codinome Karila. — Como posso ajudar?

— Com a sua alma, com suas células e com o seu amor — respondeu a outra Eloysa, sentada na cadeira de pedra. — O mesmo vale para mim. Pois, quando eu digo você, isso vale para todas nós, porque todas somos Eloysa. Somos um único ser, compartilhando a mesma alma, em corpos diferentes. Graças a Magia Primária, estamos aqui para garantir um futuro depois do Fim.

— "Depois do Fim" — repetiu Eloysa, espantada. — Têm pessoas lá fora, morrendo. Uma guerra eclodiu entre as Américas. Se podemos ajudar, o que estamos fazendo, paradas?!

— Não impediremos os conflitos. Já tentamos isso várias vezes, e o Fim se mostrou mais hostil. — A líder olhou para as outras cópias, que permaneciam em silêncio.

— Então, o que faremos? — A indignação de Eloysa ferveu seu sangue, bombeando ira para seu corpo.

— Nada... ainda. Entenda, é nossa culpa também, pois somos humanos.  — A cópia tocou o próprio coração. — Eloysa, o destino da humanidade é a destruição. É a guerra. É a morte e o ódio...

— Não! Eu não posso acreditar nisso!

— Está tudo bem. Nós somos o recomeço para eles — tranquilizou a duplicata, levantando-se. — Assegurar a vindoura 94º Era é a nossa missão.

— Por que devo confiar em você?

A duplicata se aproximou da ex-estagiária, estendendo a mão.

— Porque eu fui a única sobrevivente do fim do mundo. O Fim original — A mão dela estava incandescente, brilhando devido à magia incomum. — Pegue minha mão, mostrarei a você.

Hesitante, Eloysa segurou os dedos de sua cópia, mergulhando num abismo repleto de rostos, gritos, cores e torres.

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