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312.745 anos atrás


Durante décadas, o Império financiou viagens ao redor do globo, na esperança de conhecer novos povos, mas desejando encontrar ouro e novas terras. Nos confins do mundo, um grupo de exploradores encontrou a Magia Primária: uma fonte de energia capaz de tudo.

Foi como descobrir luz na escuridão.

A Magia era inesgotável e mutável. Sua descoberta foi utilizada para curar doenças, estudar novas ciências e antecipar o progresso. Homens, mulheres, crianças e idosos, todos passaram a manipulá-la.

Entretanto, daquela luz, nasceu a escuridão.

Uma ruptura social fez emergir atritos. De um lado, os que lutavam para a Magia ser restrita apenas aos nobres. Do outro, os que idealizavam o uso da Magia, independentemente da posição social.

Os ideais distintos transformaram-se em conflito.

O conflito despertou o ódio.

O ódio alimentou a guerra.

A Magia foi usada para matar, mentir e alcançar mais poderio. Armas foram construídas para usurpar vidas. A grande dúvida que reinou por anos foi: a Magia corrompeu o homem? Ou o homem corrompeu a Magia?

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Os olhos da menininha estavam cegos. O homem, ao lado dela, possuía queimaduras espalhadas por todo o corpo, irreconhecível. Pai e filha, duas vidas perdidas na guerra. Eloysa, uma especialista em magia de cura, assistiu sua família morrer bem na sua frente, incapaz de salvá-los.

Sem uma filha para cuidar e um marido para amar, ela abandonou a destruição em sua aldeia. Em um mundo cada vez mais assolado pela guerra, Eloysa vagou, determinada a curar os feridos, mesmo que sua vida tivesse acabado no momento em que perdeu sua família.

A guerra pelo domínio da Magia durou dias. Meses. Anos. No entardecer, os anciões murmuravam a palavra "apocalipse" e os descrentes cochichavam o termo "O Fim".

Utilizando velhas torres para curar os feridos da guerra, Eloysa se instalou numa aldeia vizinha. Numa noite predominada pela calmaria, ela olhou para o céu, avistando uma estrela incomum. O corpo celeste se movia rapidamente, mirando o solo.

Assustada, ela entendeu o risco, pois dias atrás escutara os boatos. Chamavam aquelas coisas de "bomba mágica". Centenas surgiram no céu, como uma tempestade colorida. Os moradores, pobres e ignorantes, sorriam e acenavam, fascinados com as luzes.

Gritando com todas as suas forças, Eloysa implorou para que todos fugissem para a torre. Movida pelo desespero, ela roubou para si a pouca magia dos feridos e fortificou a torre, protegendo os moradores saudáveis contra o impacto.

As bombas caíram por todo o Império, matando nobres e plebeus. As grandes cidades desapareceram do mapa. O mundo, que antes era verde, tornou-se cinza. Um mar repleto de corpos esqueléticos. Os dias que se seguiram trouxeram fome, doenças e infertilidade. Manhã após manhã, noite após noite, o número de habitantes do planeta diminuía.

Quando a morte abraçou o mundo, somente uma pessoa fugiu de suas garras.

Eloysa.

Solitária, seu desejo mais profundo era o seu próprio fim, mas seu corpo lutava pela existência, pois o coração se recusava a parar de bater. Algo no mundo a impedia de morrer, uma voz distante, sussurrando uma melodia:


A magia alimenta. A magia nutre o solo. A magia causou esta guerra. E será a magia um novo recomeço.


O chamado conduziu Eloysa aos confins do mundo. Ela andou pelos destroços até seus pés ficarem em carne viva. Até seu cabelo cair e sua pele envelhecer. Ao encontrar a voz sussurrante, ela soube o que era aquilo: a Magia Primária.

Tomada pelo instinto, Eloysa alimentou-se da Magia, consumindo toda a luz, restaurando seu corpo, sua juventude e sua vontade de viver.

No momento que o último feixe de Magia desceu pela garganta dela, Eloysa deixou de ser apenas Eloysa, transformando-se na própria Magia. Adquirindo ampla sabedoria, imortalidade e poder, ela viu seu corpo se dividir em duas partes iguais. Uma cópia de si, partilhando a mesma alma, usufruindo do mesmo poder.

Eloysa e sua sombra retornaram para as ruínas da sociedade e utilizaram a Magia para criar um recomeço. Elas ergueram três torres e moveram alguns cadáveres para o interior destas. Durante dez anos, elas testaram todas as possibilidades para reviver aqueles que se foram.

Sangue, células e magia trouxeram de volta a vida para aquele mundo inóspito. Dois mil seres humanos foram criados a partir de Eloysa e sua cópia. Adultos, crianças e idosos, isentos das memórias que causaram a guerra, mas preenchidos de conhecimento e Magia. Isso marcava a gênese do mundo, o início da 1ª Era.

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Quinhentos anos depois, a sociedade progrediu, utilizando a Magia para criar máquinas a vapor. Esse progresso gerou uma nova quebra social, reacendendo as chamas da guerra. O ódio pairou outra vez nas cidades, ressuscitando antigos conflitos. Foi então que a Eloysa Original e sua cópia viram o mundo se acabar em fogo e ferro.

A partir do segundo apocalipse, ela entendeu: o ódio era um ciclo. E por mais que as memórias das antigas guerras fossem apagadas, os novos seres humanos sempre seguiriam o caminho da destruição.

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Novas Torres de Criação foram feitas. Novas cópias começaram a nascer de forma natural. Mesmo utilizando sua magia para deter a ascensão de novos confrontos, Eloysa percebeu que o Fim era inevitável. Era após Era, ela adquiriu a habilidade de prever quando o novo Fim se aproximava, preparando-se para o novo recomeço.

Algumas Eras duravam milênios, outras não atingiam nem cinquenta anos de duração. Apocalipse após apocalipse, Eloysa se mantinha firme em sua missão: assegurar um amanhã, criar um futuro depois do Fim. Para ela, a humanidade, em algum momento, alcançaria a paz e apreciaria os benefícios de uma sociedade livre do ódio.

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