09

70 23 44
                                    


A ex-estagiária abriu os olhos e avistou sua progenitora, ambas regressaram para o interior da torre. Quebrando o silêncio que pairou por longos minutos, a Eloysa Original murmurou:

— Infelizmente, a humanidade está presa nesse ciclo: nascimento, crescimento, morte, extinção e renascimento. Estamos fadados ao caos e tudo o que eu pude garantir foi uma nova oportunidade. Uma nova Era, depois outra e outra. Nossa missão não é impedir o Fim do mundo, mas garantir um depois, quando tudo acabar. Esse mundo me destruiu, ao ponto de matar todos os meus sonhos, deixando-me apenas com os pesadelos.

— Como ainda consegue fazer isso, depois de tantos anos? — indagou a mais jovem.

— Fé. — A Eloysa Original sorriu, enquanto lágrimas deixavam seus olhos.

— Fé não é o bastante! — disse Eloysa, também aos prantos. — Eu não quero viver num mundo reciclado, repleto de retalhos. É como viver uma ilusão concreta...

— Mas, você já vive nesse mundo — lembrou a Original, a voz tranquila. — Você nasceu numa realidade fragmentada, porém não significa que seja irreal. Poderá escolher ser M.A.G.O., podendo rever sua irmã e sua mãe. Apesar de tudo, o destino da humanidade também é a Magia. A partir dela todos os sonhos ganham uma segunda chance, toda morte vira passado.

— Ou...? — Mesmo sabendo a resposta, Eloysa precisava ouvi-la.

— Ou você morre nessa Era, desaparecendo para sempre. Não a forçaremos a carregar este fardo. Você não será a primeira Eloysa a fugir desse destino, e com certeza não será a última. Resta apenas uma hora de existência para esta Era, portanto, escolha.

Todas as outras Eloysas desapareceram utilizando magia, a caminho das Torres de Criação espalhadas nos cantos mais remotos do mundo. A Eloysa desta Era ponderou, imaginando o que as outras perderam ao longo dos anos.

♜♜♜

Okyam não se virou quando a voz de sua amiga o chamou, despertando-o de seus pensamentos profundos.

— E então, o que você é? — indagou ele. — Uma alienígena? Uma bruxa? Um clone? Ou, quem sabe, uma entidade espiritual capaz de parar esta guerra? — Ele se virou, aliviado em vê-la.

— Acho que eu sou um pouquinho disso tudo, afinal. Se quiser utilizar um nome, pode me chamar de M.A.G.O. — respondeu Eloysa.

Os pés dela se moveram para frente, na direção do amigo tagarela. Ela o abraçou, chorando em seu ombro.

— Por que pressinto que isso é uma despedida? — Okyam sentiu o corpo da amiga tremer.

— Talvez, seja.

— Eloysa, o que houve? O que descobriu?

— Qual é o seu sonho, ex-estagiário? — perguntou ela, ainda o abraçando.

— Que raio de pergunta é essa?

— Apenas, responda! — exclamou ela, estapeando a cabeça dele.

— Não é nenhuma novidade. É um pouco bobo, na verdade, mas sempre sonhei em viajar o mundo e conhecer outros países — confessou ele. — Na verdade, eu me contentaria em pisar na América do Norte. Visitar a Estátua da Liberdade...

— Eu vou me lembrar disso, eu prometo...

Eloysa concentrou sua magia na mão esquerda e tocou a nuca de Okyam, fazendo-o perder os sentidos. Com dificuldade, ela deitou o corpo dele, observando a serenidade no rosto do amigo. Com a mão na têmpora dele, e a outra vasculhando o ar, Eloysa testou a magia dentro de si; a Magia Primária.

Os dedos dela tocaram o objeto retangular dentro da lixeira. Puxando-o, ela resgatou algo para Okyam. Algo que ele nunca deveria ter jogado fora. Cruzando as mãos do amigo sobre o peito dele, ela depositou o passaporte bem ali, como um lembrete.

— Você fez a escolha certa — disse a M.A.G.O. 25, aparecendo atrás de Eloysa. — Vamos, preciso prepará-la para o processo.

Eloysa olhou para o rosto do amigo e falou:

— Vejo você daqui a pouco...

♜♜♜

Na torre de Criação que surgiu em São Paulo, a Eloysa desta Era foi colocada num líquido rosa, que fez o corpo dela esquentar e flutuar. Diversos fios orgânicos conectaram a pele dela com as paredes internas da torre. O monumento, agora, estava vivo, tornando-se uma ponte para o renascimento.

Eloysa sentiu a magia deixar seu corpo e percorrer os fios, assim como a vida e as suas lembranças. Cada memória saiu do corpo dela em forma quadricular, desaparecendo nos tijolos da torre. Ela viu o rosto de Fabi, fazendo "Aquela Cara". Relembrou o dia que sua mãe apontou para as estrelas e contou, uma por uma. A recordação do dia que avistou Okyam, pela primeira vez, passou voando na frente dos seus olhos; eles se conheceram na fila da universidade.

— Todas as torres, fincadas no solo, trarão a vida de volta. Não se preocupe, todas nós, as Eloysas, fazemos isso há noventa e duas Eras. Tudo o que é seu voltará ao seu corpo, quando reiniciarmos a humanidade. — A M.A.G.O. 25 segurou a mão de Eloysa. — Esse mundo é uma colcha de retalhos. É imperfeito, mas é nosso. Nós costuramos cada parte de volta ao seu lugar.

O líquido encobriu o corpo de Eloysa como um casulo, arrancando um grito do fundo de sua alma. Ela sentiu dor, mas a paz a alcançou, de imediato. Abraçando sua existência ilusória, ela contou os segundos para rever sua família e seu melhor amigo. Do lado de fora, o apocalipse varreu da face da terra toda a vida humana.

A 93ª Era chegara ao fim.

MAGOOnde histórias criam vida. Descubra agora