Chris Lewis

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Acordo sem entender o que está acontecendo. E pior. Não consigo me mexer. Minha cabeça dói, minha perna dói, minha costela dói e está um pouco escuro para saber onde estou. Me esforço, mas a minha vista está turva e aos poucos percebo que meus olhos estão cobertos com algo molhado e escuro, e eu acho que é sangue. Não consigo mexer meus braços direito, eles estão presos, por isso esfrego meu rosto e um dos olhos em meu ombro machucado e só assim consigo limpar um pouco, mas assim que começo a enxergar um pouco melhor, me assusto quando olho um ponto a minha frente.

Meu pai.

Ele está deitado no chão entre a cabine onde fica o piloto e a porta que dá acesso ao piloto. Eu só consigo identificar por conta da roupa, mas sei que ele está bem machucado, seu corpo está em uma posição muito estranha. Eu preciso cuidar dele. É o que penso. Só consigo ver metade do seu corpo, a parte de cima está toda coberta por destroços do avião. Abro a boca para chamá-lo e perguntar o que aconteceu. Mas não consigo. Minha garganta está ensopada com alguma coisa e é quando sinto um gosto terrível nela. Um gosto de ferro. Engasgo e cuspo sangue e engulo o resto do que quer que esteja em minha boca. Mas assim que abro novamente para gritar, não consigo. Não consigo falar.

A dor aumenta e olho para o lado procurando alguma solução e então vejo minha mãe, e é aí que entendo o que aconteceu, o medo começa a apoderar-se do meu corpo e começo a chorar. Existe sangue por todo seu rosto. Ela também está em uma posição esquisita, mas consigo ver que ainda está respirando, porque seu peito se mexe um pouco, me mexo, mas paro, dói quando faço isso porque estou preso em alguma coisa. Então abro a boca e tento gritar, pedindo ajuda.

Após minutos tentando me mexer ou falar, me esforço mais uma vez olhando para minha mãe e com toda minha força e esforço  eu consigo chamá-la e ela me ouve e seu rosto vagarosamente se vira em minha direção e eu vejo lágrimas jorrando em seu rosto ensanguentado, seus dedos se mexem timidamente, mas ela parece que também não consegue se mexer. Quero me aproximar, mas eu estou preso e ela agora só me olha.

Pai

Mãe

Alguém nos ajude

Luto vários minutos e tento superar a dor, mas ela é mais forte do que eu e meu próprio corpo não me ajuda. Então paro e nós dois ficamos ali, nos olhando, ela não fala nada, apenas me olha e lágrimas saem dos seus olhos sem parar. O medo se apossa em mim e não sei por quanto tempo eu fico olhando a minha mãe deitada entre os escombros no chão do avião, quando de repente, meus olhos se fecham, mesmo quando eu não quero.

Acordo. E congelo quando a vejo pela primeira vez. Está tudo escuro, mas mesmo assim eu consigo vê-la. Ela parece não se importar por eu conseguir vê-la. Sua feição é difícil de decifrar e também não sei dizer se é bonita ou feia. Ela se aproxima devagar com seu semblante sombrio, pálido e escuro e me observa, aproxima seu rosto e me analisa, como se estivesse esperando algo acontecer comigo. Ela está me esperando. Por um momento sinto medo dela e eu sei que não devo sentir. Meu pai sempre fala que meninos não têm medo. Então tento me controlar. Tento concentrar em mim e fecho meus olhos com força.
Quando abro meus olhos ela não está mais lá, olho para meu pai, e agora sei que ele também não está mais lá, choro de novo. E grito chamando minha mãe. Mas parece que ela também se foi. O medo não se afasta de mim e começo a tremer. O sono é mais forte do que eu. Durmo de novo.

Quando acordo, me vejo sozinho com ela de novo e por uns segundos, desejo que ela não se vá. E que se for, que me leve também. Porque algo me faz temê-la ainda mais porque sei que ela irá mudar para sempre minha vida. Porque eu a vejo levar o melhor de mim. Lentamente a vejo levando meu pai. Ela não deixou que ele se despedisse de mim. E agora a vejo levando minha mãe. Ela está a levando e sei que os olhos da minha mãe mesmo estando focados em mim, não me enxergam mais. Eu choro. Meu choro inútil, porque eu sei que nada vai mudar...

Por um momento, quero impedi-la de levar tudo o que eu amo, que se for para levá-los que me leve também, mas estou preso no assento do avião e entre as ferragens, o cinto ainda está fixo em meu peito e não consigo soltá-lo, lembro de ter acordado e dormido várias vezes e ainda continuo no mesmo lugar. Não sei quanto tempo estou aqui, quando respiro dói e sinto que uma das minhas pernas está bem ferida, eu consigo vê-la coberta de sangue e a dor de cabeça está cada vez mais forte. Passei horas olhando o corpo da minha mãe e de repente sinto uma ânsia vindo, quando vomito em meu próprio corpo. E desmaio novamente.

Acordo pela milésima vez, não conto mais. A minha visão está pior quando a vejo partir e estou sozinho agora, abro minha boca para gritar e chamá-la, porém algo me impede. Tento me mexer, mas as dores são insuportáveis e sinto a dor aumentar, fecho de novo os olhos com força e tento me acalmar. Estou com tanto medo que não paro de tremer. Choro e chamo pelo meu pai. Nada. Chamo minha mãe e pela primeira vez em toda minha vida não a vejo responder enquanto a chamo.

Garotos não choram.

Não importa, eu quero minha mãe .... Pai!

Estou com dor, muita dor e sinto que não quero mais lutar. Sei que perdi tudo que amo. Meu sangue não para de escorrer, então porque ela não me leva também? Durmo de novo.

Acordo e a vejo se aproximar, me olhando, dessa vez decidida, ela vai me levar, ela chega tão perto, que sinto o seu cheiro, é o cheiro da morte. Ela estende a mão para mim e tento fazer o mesmo por ela, mas meu braço dói, os cintos me impedem de ir com ela. Me esforço, mesmo com tanta dor não consigo sair do cinto, o encaixe está preso porque foi amassado completamente. Estendo meus dedos para ela, ela não se mexe, mas a vejo olhando para mim, se aproximando mais e mais, e agora olhando para minha mão. A vejo dando um leve sorriso, porque ela sabe que agora ela me tem. Mas então escuto um barulho, muito alto por sinal e isso a assusta, recuando suas mãos.

- Não, não me deixe!

Eu vejo que o sol está começando a brotar, quando escuto o som de um helicóptero sobrevoando bem acima de mim. Estou cansado, muito cansado e por mais que eu queira gritar, não consigo. Ela parece não gostar do barulho e olha para cima, indignada. Escuto as árvores balançando com força por conta do vento do helicóptero e em seguida escuto pessoas se aproximando, e gritando. Olho para ela, e ela acelera para tocar em mim, no mesmo instante quando escuto "Acho que tem um garoto e ele parece estar vivo" como choque em suas mãos, ela se afasta, e fica escondida, numa parte escura do avião. Vejo homens se aproximando e lutando para entrar no avião totalmente destroçado. Não sei o que acontece comigo, mas o sol está nascendo, e a minha visão começa a escurecer.

Muito escuro e muito frio. Olho para ela, que não tira os olhos de mim.

É aí, que começo a entender, que ela permaneceu ali comigo porque ela finalmente veio me levar. Eu suspiro aliviado, porque eu sei que as dores não só do corpo, como minha alma, vão acabar para sempre.

***

Acordo alguns dias depois e vejo minha tia chorar e me dizer que perdi tudo, mas que tive sorte por estar vivo.

Aquela coisa levou tudo de mim e me deixou.

Então, aos doze anos prometo a mim mesmo que nunca mais sentirei tanta dor assim por ninguém. E se eu não quero sentir isso novamente, preciso evitar qualquer pessoa que chegue perto de mim.

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