Capítulo 82 - PARTE I

832 112 27
                                    

— Você é um idiota, sabia?

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

— Você é um idiota, sabia?

O garoto do outro lado da cerca que separava nossas casas riu, apontando para meu rosto com seus dedos brancos e sem sujeira. Seus cabelos loiros eram tão claros que pareciam raios de sol caindo do céu sobre sua cabeça. Ele vestia uma túnica verde clara, que fazia seus olhos azuis brilharem.

Adorava aquele contraste do menino com a grama bem cortada e a imensa casa aos fundos. Porque não havia contraste. Ele pertencia aquele lugar, e se alguém ousasse duvidar, só bastaria olhá-lo.

— Estou falando com você, idiota! — ele gritou outra vez, exibindo um sorriso com dentes brancos e retos. Suas orelhas pontudas saiam pelos cabelos, tocando o ar, lotado de argolinhas douradas. Sua mãe não se importava dele, com minha idade, usar brincos de ouro.

Minha mãe jamais me deixou furar a orelha assim. Dizia que eu era novo demais para fazer algo tão fútil. "Pense em brincar antes de pensar sobre essa futilidades, querido".

Mas enquanto eu olhava para a orelha daquele menino, que exalava riqueza em cada respirada, eu queria um brinco também.

Isso me ajudava a pensar melhor enquanto enfiava a mão na terra um pouco lamacenta da chuva que caiu, para tirar as cenouras que minha mãe havia pedido.

— Acha que pode fingir que não está me escutando? — gritou o garoto loiro como os raios solares. Às vezes eu pensava que ele usava uma coroa. Como seu outro irmão. Como sua mãe. Todos eles usavam coroas. Enquanto eu e minha mãe não tínhamos nada.

Queria ter cabelos louros também.

A cenoura quase pulou em minha mão de tão solta que a terra estava, e sorri com isso, ansioso para contar para minha mãe. Ela amava me ouvir falar do que eu descobria sobre plantar coisas. Quase todos os dias ela me dava uma muda de flor, sempre suas favoritas, para plantar no jardim. Me ensinava a entonar cânticos antigos que eram importantes para ela. Eu nunca havia entendido nenhuma palavra, mas sabia que o refrão falava sobre "uma hora floresce". Ela me disse.

Me levantei, sacudindo a terra das calças rasgadas nos joelhos, sentindo a barriga se apertando de ansiedade quando vi o garoto loiro passar por cima da cerca que dividia nossas vidas. Seus sapatinhos de seda branca tocaram a lama pegajosa, seus olhos inflamados de raiva. Uma raiva que já vira milhões de vezes antes.

— Me dê isso — ele ordenou, esticando a mão para pegar a cenoura que sujava meus dedos pequenos e magros. Neguei com a cabeça, a escondendo atrás de corpo. — Isso não te pertence. Está nas terras do meu pai. Me dê.

Eu trinquei os dentes, respirando com dificuldade. Minha mãe sempre aparecia para resolver as coisas quando ele ou o outro vinham me aborrecer. Mas havia silêncio no ar atrás de mim, na casa caindo aos pedaços que morávamos. Estava a apenas cinco metros. Eu poderia correr. Tinha minhas asas. Poderia voar.

Corte de Sombras e MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora