Peguei a condução para o bar. Era uma van e estava carregada de pessoas. Pedi licença e me apertei no meio daquelas pessoas desconhecidas, enquanto protegia minha pasta, cheia de contas, para que nada importante caísse. Aqueles últimos dias tinham sido de correria e estresse por causa de muitas dificuldades financeiras que estava enfrentando. Recordo-me que fazia muito calor e todos suavam bastante lá dentro.
A estrada era esburacada e a van sacudia ao som de seu velho motor e dos praguejos de seus caroneiros a cada pancada que dava. À minha esquerda, duas senhoras (de aparência não muito simpática) gargalhavam, quase aos berros, enquanto falavam mal de uma vizinha. Já atrás de mim estava um jovem mexendo em seu telefone enquanto escutava aquelas músicas genéricas que grudam na cabeça. Ele ouvia com o volume máximo enquanto mascava sistematicamente um chiclete. O suor começou a escorrer em minha testa e eu não podia fugir de muitos questionamentos enquanto sujava a manga de minha camisa enxugando-o: o que eu estou fazendo aqui? Será que eu vivo apenas para ouvir gargalhadas alheias e sons de bolas de chiclete estourando? Gargalhadas, estouros, cheiro de suor, caos, som de motor velho, estouros, gargalhadas, abismo... Vazio.
Eu queria abrir a porta e fugir daquilo, as pessoas estavam fedendo, aquelas mulheres eram irritantes, aquele jovem era irritante, minha vida era irritante. Só queria chegar logo e despejar minhas angústias em um copo de álcool, para esquecer que tudo aquilo era real.
Refugiei meu olhar na janela, tentando ignorar tudo aquilo e esquecer minhas frustrações, mas só conseguia ver cinza: prédios sem cor, pessoas sem cor abaixo de um céu sem cor. Será que eu sou sem cor também? Bati os olhos no retrovisor do motorista para ver meu reflexo e apenas via uma pessoa acabada e apática, daquele mesmo jeito que os outros que via na rua e ao meu lado.
Mas reparei que no fundo da van, no meio de todo aquele cinza, havia uma menina de vestido vermelho comendo às pressas um sorvete para que não derretesse.
Por ironia do destino, o motorista se descuidou e não viu uma lombada e todos da van deram um salto com o susto. Todo o sorvete da menina de vermelho havia sido derramado em seu belo vestido. Até as senhoras pararam suas fofocas para ver o que havia acontecido.
A menina olhou para todos e para seu vestido vermelho (que agora estava rosa, sabor morango), enquanto eu já respirava fundo já pronto pra somar um choro de criança na sinfonia caótica daquela van. Porém, ela abriu um largo sorriso e começou a rir. Parecia estar se divertido muito com a situação.
Por um instante fiquei surpreso. Logo em seguida bati o olho em meu próprio reflexo novamente e percebi que agora sorria também.
Meu sorriso tinha cor vermelha, mas um pouco rosado, sabor morango.
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Uma Tarde Cinza e Rosa
Non-FictionBasta muito pouco para termos grandes lembranças.