1. Dois traçinhos

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Ouvi o som alto do despertador me tirando de meus pensamentos. Os 5 minutos tinham chegado ao fim, querendo ou não agora era hora de encarar a realidade, por pior que ela fosse.

Peguei um dos cinco testes que estavam sobre a pia em minhas mãos trêmulas e olhei. Por favor não. Não. Não. Positivo. Droga! Peguei outro na esperança de ter um resultado diferente, e depois mais outro. Não era possível, sabia que as vezes testes de farmácia não são tão confiáveis, mas os cinco estarem errados? A Mãe provavelmente não gosta muito de mim, eu tinha tomado pilula do dia seguinte. Mas os dois risquinhos em todos os testes comprovavam que tinha dado errado. Assim como tudo na minha vida aparentemente.

Meu ex namorado me estrupou à quase um mês, no que foi sem dúvida nenhuma o pior dia da minha vida, pior do que a morte da minha mãe, pior do que quando minha família perdeu tudo, pior que qualquer momento que eu pudesse listar. Apenas lembrar disso me faz arrepiar. Eu sou mais do que a favor das mulheres terem direito de escolha, apoio muito o movimento 'seu corpo sua regras', afinal descobri do pior jeito como é ter o seu corpo violado, mas eu nunca teria coragem de tirar uma vida. Ou era isso que eu pensava até essse momento.

Agora algo que me era uma certeza durante a minha vida inteira se tornou o meu maior dilema, por que se eu for mesmo ter esse filho, como eu vou poder olhar para essa criança sem me lembrar de tudo o que aconteceu? Eu conseguiria não colocar a culpa de tudo nela? Como posso sequer levar isso adiante? Como diabos vou poder amar o fruto de um estrupo? Por mais que eu tentasse não conseguia pensar direito. E toda vez que pensava só via um solução para isso.

Quando não pude mais aguentar, minha ansiedade me consumindo resolvi que devia pesquisar um pouco para poder tomar uma decisão. Fui à um lugar que tinha visto que tinha computadores para usar de graça. Comecei a pesquisar, afinal talvez seja melhor não ter um filho do que ter e o odiar, certo? Esperava que sim. Resolvi então que seria melhor pesquisar sobre aborto. Queria saber mais sobre o assunto para poder decicidir. Saber se era seguro, quanto custava, se tinha algum lugar por perto em que eu poderia fazer isso. Este último não importava tanto já que eu teria que ir para outro lugar logo.

No dia em que tudo aconteceu apenas peguei um cartão de crédito e dinheiro e comprei uma passagem de ônibus. Agora estava em uma pousada qualquer que consegui achar, o problema é que ainda não me sentia segura. Era como se ele pudesse me achar ali facilmente a qualquer momento. Então logo iria comprar uma passagem para mais longe, talvez de avião. Não importava o lugar, apenas queria ficar o mais longe dele possível.

Passei a noite inteira pesquisando e pensando e o dia seguinte também até que eu tomei uma decisão.

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