Capítulo 24

108 15 15
                                    

(Angel)

A prisão era escura. Muito escura. Era difícil dizer que momento do dia era ㅡ eu não conseguia discernir se haviam se passado apenas 10 minutos ou muitas horas.

Meus pensamentos e medos me atormentavam e era impossível dormir profundamente. Cada mínimo barulho fazia com que eu despertasse do sono e ficasse alerta e com a respiração ofegante. Meus músculos já estavam doendo de tanto permanecerem tensionados.

Em determinado momento, ouvi Kawena se mexer do outro lado da cela ㅡ ela provavelmente havia acordado.

Um farfalhar de roupas se agitou e o barulho de algo se arrastando na pedra chegou aos meus ouvidos.

ㅡ Não se assuste ㅡ a prisioneira sussurrou.

E então, sua figura surgiu da escuridão.

Uma menina de pele negra ㅡ tão intensa como a terra molhada de chuva. Seus cabelos pretos compridos estavam trançados desde a raiz em pequenas tiras. Mas as características que mais se destacavam na garota eram os traços brancos que marcavam sua pele: dois em cada bochecha, em formato de listras de tigre.

Ao sair das sombras, ela me encarou com seus grandes olhos cor de mel salpicados de marrom, levemente repuxados para cima. E então, seus olhar desceu para meu corpo, ou melhor, para roupa que eu vestia.

Eu ainda estava com o vestido dourado da Cerimônia ㅡ que apesar de lindo, se encontrava sujo, amassado e rasgado em algumas partes.

Kawena balbuciou algo em uma língua diferente.

Ela se aproximou lentamente e sentou a poucos metros de distância, ainda observando o vestido.

ㅡ Na minha tribo, apenas as filhas do Rangatira usam roupas assim ㅡ ela comentou.

ㅡ O que é Rangatira?

ㅡ Quem lidera a tribo.

A menina acariciava uma pulseira de palha que carregava nas mãos enquanto falava.

ㅡ Como consegue pronunciar meu idioma tão bem? ㅡ perguntei.

ㅡ Tentei fazer algo útil nos cinco anos que passei aqui.

ㅡ Sinto muito... Eu não quis...

ㅡ Não sinta ㅡ ela interrompeu. ㅡ Não estou morta ainda. Vou voltar para casa um dia, sei que vou.

Os olhos de Kawena pareciam se iluminar quando ela falava sobre o próprio lar.

Talvez um dia eu fosse capaz de me sentir assim em relação a algum lugar também.

Um silêncio pacífico se estendeu entre nós duas, mas subitamente, fomos interrompidas quando um som alto e perturbador soou pela caverna e um guarda apareceu na entrada de nossa cela.

ㅡ Andem ㅡ Ele destrancou a fechadura e abriu a grade.

Sem hesitar, Kawena ficou de pé e agarrou meu pulso, me puxando atrás de si.

Quando saímos da caverna, vimos outros prisioneiros deixando suas grades e caminhando em direção às escadas no fim do corredor, formando uma fila enquanto subiam.

ㅡ O que tá acontecendo? ㅡ cochichei para minha companheira de cela.

ㅡ Sondagem ㅡ Kawena parecia tão aflita quanto eu. ㅡ Não importa o que digam, não encare os olhos deles por muito tempo e não fale a menos que ordenem.

O olhar que a menina me lançou antes de subir a escadaria rochosa foi suficiente para que eu fizesse exatamente o que ela havia dito.

Enquanto caminhávamos, reparei nos outros prisioneiros que seguiam na fila.

Alguns eram bem mais velhos, outros pareciam ser novos, e muitos eram jovens como eu ㅡ mas o que todos tinham em comum era aquele olhar triste e esgotado.

Até mesmo Kawena incorporara esse desânimo no próprio semblante.

Talvez fosse uma espécie de disfarce. Então incorporei-o também.

Depois de muito subir aqueles degraus, fomos todos direcionados para um grande salão rochoso bem mais iluminado ㅡ e com muito mais guardas.

Conforme os prisioneiros se espalharam pelo ambiente, muitos encaravam o vestido dourado em meu corpo. Eu me sentia totalmente vulnerável naquela situação.

Um menino a poucos metros à frente lançou-me um olhar de compreensão e solidariedade, mas quando o mesmo virou de costas, quase perdi o fôlego com o que vi.

Duas feridas grossas e sangrentas se destacavam e havia apenas dois cotocos no lugar do que deveriam ser asas.

Senti minha garganta queimar diante da visão.

Ele tivera suas asas arrancadas. Dilaceradas.

Que tipo de monstro é capaz de fazer algo assim?

Em que tipo de lugar eu fui parar?

ㅡ Prestem atenção todos vocês! ㅡ uma guarda mascarada nos chamou. ㅡ Permaneçam em fila e não se movimentem. Se eu ouvir algum resmungo, algum choro ou qualquer coisa do tipo, as coisas vão ficar feias. Está avisado.

Prisioneiro por prisioneiro, os guardas Hostibus realizaram um corte em suas mãos e depois aplicaram uma injeção com um líquido violeta no pescoço de cada um.

ㅡ O que estão fazendo? ㅡ sussurrei o mais baixo que pude para Kawena, que estava logo à minha frente na fila.

ㅡ Estão identificando o poder de cada prisioneiro. O corte na mão é pra ver quanto tempo demora pra cicatrizar. Quanto menor o tempo de cicatrização, maior a dose de beladona.

Beladona. Há muito tempo eu ouvi esse nome.

Uma planta roxa extremamente venenosa e letal muito usada para enfraquecer inimigos em batalhas.

ㅡ Eles usam o extrato para neutralizar nossos poderes ㅡ Foi o último comentário da menina antes dos guardas se aproximarem.

Quando chegou sua vez, apenas um músculo se contraiu no rosto de Kawena ao cortarem sua mão.

Quantas vezes a garota tivera que passar por isso para adquirir tanto auto-controle?

A mão da prisioneira demorou menos de um minuto para cicatrizar, sendo assim, a dose não foi pequena.

A coloração de sua pele pareceu perder a vida quando injetaram-lhe a beladona.

E depois que terminaram a aplicação de Kawena, chegou minha hora de ser avaliada.

Mantive os olhos baixos e não ousei encarar o guarda que puxou minha mão e rasgou a palma com sua lâmina afiada.

Pressionei os lábios com força para conter o ruído da dor. O homem soltou uma risadinha ao perceber meu gesto.

Assim que sangue vermelho escorreu para fora da ferida, supliquei pela ajuda de todos os deuses elementais que ainda olhavam por mim para que aquele corte demorasse a se fechar.

Mas apesar da fraqueza iminente em meu corpo, não foi necessário mais do que 15 segundos para que a cicatrização se completasse.

Quando a ferida se curou por completo, ergui o olhar para o Hostibus que segurava minha mão e vi a surpresa e espanto em seus olhos.

E ali, percebi que as coisas iriam ficar muito piores do que já estavam.

Os Elementais: O Legado das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora