03 - O início do fim

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Eu não tenho raízes
mas minha casa nunca esteve no chão
Alice Merton - No Roots

UM DIA ANTES DO ROUBO

A avenida vazia fazia Kiyomi sorrir enquanto acelerava. A garota estava voltando para sua cidade o mais rápido que conseguia, afinal, ela ainda tinha uma corrida para ir.

O relógio marcava 23 horas. Infelizmente, o último roubo levou mais tempo do que ela planejou. A vítima da vez foi o armazém de um supermercado em Kyoto. Era uma rede grande daquela região, então a invasão foi um pouco complicada. Kiyomi precisou pular alguns murros, correr de guardas e se esconder, mas no fim foi um sucesso. Ela saiu de lá com uma caixa de salgadinho, um engradado de cerveja e alguns ienes que ela roubou da sala dos seguranças.

Simples para não ser investigada, mas o suficiente para sobreviver.

Ela respira fundo e observa a avenida vazia. Era o seu momento de se divertir. Kiyomi pisa com força no acelerador e vê o velocímetro aumentar a cada segundo, o caminho cercado por árvores parecia infinito. A velocidade alta a deixava bem, sempre deixou, e a rua vazia era um convite para isso.

Nos segundos que ela dirigia ali, se sentia livre, uma liberdade diferente da que ela sempre imaginou. Ali ela não precisava ir a toda velocidade, não seguia uma regra e nada mais importava, ela apenas escolhia o quão rápido iria e curtia o caminho.

Kiyomi percebeu seu amor pela velocidade cedo. Era estranho, todas as vezes que andava de moto com seu irmão, na infância, ela se sentia animada e com vontade de pedir para irem cada vez mais rápido com o vento batendo em seu rosto, enquanto a moto deslizava pelas ruas de Tóquio.

Com 14 anos ela percebeu que Ken-chin sempre andava muito devagar com ela, ele nunca pisava no acelerador, como queria, quando ela estava na garupa. Ela nunca perguntou o motivo, mas era capaz de deduzir que tinha medo de causar um acidente com ela ali. Na mesma época, ela andou de moto com o amigo idiota de seu irmão, Mikey, e ele sim corria do jeito que gostava.

Naquele dia ela se sentiu livre, mesmo que a companhia irritante de Mikey fosse necessária. Eles se ignoraram todo o trajeto e apenas aproveitaram a velocidade, mas foi divertido.

Porém, quando seu irmão tentou ensiná-la a andar de moto, ela percebeu que era um tédio.

O barulho gostoso do motor e o vento não compensavam o trabalho de guiá-la e ela se frustrou momentaneamente, não queria depender eternamente de seu irmão ou de Mikey para sentir aquilo novamente. Então, um dia, ela e Hidetaka roubaram o carro da mãe dele para passear por Takashima, sua cidade. Aquilo passou a ser uma tradição, sempre que dava um tempo, eles roubavam o carro da mãe dele e andavam sem rumo, então inevitavelmente ele a ensinou a dirigir.

E ali sim ela sentiu novamente a mesma coisa que sentia quando andava de moto. Ao acelerar o carro com Hidetaka rindo ao seu lado, ela percebeu que a velocidade era sua verdadeira paixão, mas não a de uma moto. Ela encontrou na velocidade de um carro a mesma sensação que sentiu aos 14 anos, quando andava de moto com Mikey por Tóquio pela primeira vez.

Além disso, a complexidade do motor de um carro a deixou fascinada.

Foi questão de tempo, e de necessidade, para ela começar a se envolver nos circuitos de corridas ilegais do distrito de Shiga. As corridas eram os únicos momentos em que ela quebrava sua regra e se envolvia com as gangues da região.

Ao ver a entrada da cidade, ela diminuiu a velocidade gradativamente, indo em direção ao ferro velho da cidade, ponto esse usado por ela para estacionar o carro e passar a noite.

Pirulito de CerejaOnde histórias criam vida. Descubra agora