Parte I
Do trigo brotam peônias.Ele me levou ao deserto para me mostrar a areia. Não tinha nada além de areia. Ele sequer cogitou em dizer uma palavra. Depois, Ele me levou para mostrar limoeiros em um campo verde, ao céu azul e aberto. Tudo o que eu via era a terra coberta por aquelas árvores. Caminhamos um pouco debaixo deles, vi limões no chão, algumas flores lindas. Parei por um instante e Ele continuou seguindo. Ele não me viu? Eu apanhei um limão do chão, me agachei. Quando me levantei, Ele estava parado de costas para mim. O céu ficou nublado. Cinza como a chuva. Em um piscar de olhos, todos aquelas arvores desapareceram, ficando apenas a que parecia ser a maior de todas. Um enorme limoeiro. O meu balanço amarrado em um dos galhos do limoeiro apareceu dobrando o ar. Ele se assustou com o balanço, permaneceu estático e pensativo. Não me levantei rápido. Ele sentiu medo. Por alguns longos minutos, ficamos ali. Seu corpo sem pele vibrava. Depois, Ele me trouxe ao trigal. Ele estava ao meu lado. Parado como sempre. Eu via o trigal igual quando uso meu binóculo. O trigo balançava. A leve brisa dourada tocou minha pele e eu senti a paz. Eu não o via mais. Ele partiu? As palhas de trigo pareciam brotar flores. Os campos ficaram verdes, as flores nasciam e o céu se abrira.
Mexisc-e
E assim, como tudo, em relento, o vermelho preencheu as frestas do piso amadeirado do quarto. O vermelho era apenas um sonho, um sonho que se incomodava com o barulho da água. As ondas pareciam castigar, de longe, um velho barco pesqueiro que ousava desafiar a inquietude do mar. O silêncio do fundo do mar quase impedia o eco das batidas do coração do Homem. Batidas. Batidas. Batidas. Elas não eram do coração do homem. O céu estava alaranjado como o pôr do sol. Mas não era entardecer. Algo ali tirava sua paz.Uma breve história sobre uma história breve
O que é paz?
Paz é o silêncio absoluto. É não escutar o vento, nem sua respiração, nem o próprio bater do coração. É as ondas do mar. Vai além disso, disso tudo.
A defesa de um pequeno piolho de cobra que quando se sente ameaçado, se esconde em um espiral. O mesmo espiral que circula o ar, o vento, a água. E, logo após sentir-se seguro, corre para debaixo da primeira pedra que vê. O fugir de uma raposa avermelhada cortou a manta acinzentada e gélida da floresta tal qual aquela Mulher fez. Seus cabelos são como o pôr do sol, como as folhas que caem no cedo outono. Por que fugia?
Porque ela precisa salvar o seu filho.
As flores eram esmagadas pelo correr daquele animal. Por que ele fez isso? Por que as pessoas sempre destroem aquilo que a paz envolve? São tão maldosas que parecem ter medo de serem machucadas. Por isso as pessoas machucam as coisas. As flores perdiam a vida e se juntavam às folhas caídas, como se tudo na floresta precisasse morrer para serem o que eram.
Debaixo da manta da floresta se escondiam pequenas fadas que se assustaram com o passar da vida, com o fugir dela. Elas colhiam o pólen das flores, aproveitando antes do castigo da morte, antes mesmo das abelhas. Essas adoráveis criaturinhas assistiam avoaçadas o percurso daquela Mulher enquanto sua pele adquiria a lama como roupa, seus cabelos se sujaram e assim perdeu toda sua beleza.
— O que aconteceu com ela?
— O que houve com aquele humano?
Perguntavam as fadinhas, enquanto voavam com seus potinhos cheios de pozinho das flores.
Aquela mulher era a personificação da beleza e do amor. Era linda. A beleza esplêndida que ela emanava é surreal, é fora de todos os paradigmas que distinguiram para perfeição. Ela é todas as cores em uma, em pleno brilho. Sua existência é justificativa suficiente para a criação de todo o mundo.
Um pequeno anfíbio esverdeado saltou sobre um tronco caído, velho e úmido. Aquela árvore morta dava vida a pequenos cogumelos e musgos. Sua passagem sobre o tronco fora rápida. Seguiu pulando, pulando e pulando. O castigo da morte havia chegado para a velha árvore, mas o ardor do perder da vida não impediu que a sua fosse tirada.
A sua queda foi de longe a maior falha que lhe ocorreu, desde a perca do seu filho. O que ela trazia consigo foi destruído, o que foi deixado para trás foi perdido. Era como se tudo fosse em vão, como se tudo perdesse o sentido em um golpe não desejado. A mulher sentiu-se desmoronando. Seu corpo tocou o chão e cobriu-se de lama.
O pequeno piolho de cobra espreitou-se sobre aquela pedra a observando reerguer-se. O vento parou. Outono partiu-se logo. As fadas arregalaram os olhos e logo pousaram perto das flores, em silêncio, sutilmente para não terminarem de matá-las. Qualquer um que visse a Mulher naquele estado deduziria estar presenciando a criação de Eva. Nascendo do barro. Inocente. E logo corrompida. Não mais inocente e bela aos olhos do Criador. Mesmo que sua beleza não fosse mais contemplada, por trás de todo o barro ela ainda era a mesma.
[...]
E o que mais me dói
é lembrar que eu
já fui feliz de mais
e não vai voltar atrás
Eu te dei o meu amor
e você me deu sua culpa.
de mim, Vênus.
[...]
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mexisc-e
Short StoryEste livro é a adaptação de um surrealismo que obtive enquanto dormitava em inquietos sonos. Há cerca de 4 anos atrás eu me deparei com algo que mudou minha vida. Eu não conhecia sua origem nem mesmo seu nome. Mas fez parte de mim durante todos esse...