O Cidadão Médium

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Fazia um ano e cinco meses que Luiz tinha se formado da escola, não com notas louváveis mas tampouco de forma empurrada, ele foi mediano nas matérias que não lhe interessavam e ia muito bem nas matérias que gostava mais, embora não fosse um rapaz muito social ele teve a sorte de fazer algumas amizades em sua trajetória escolar, naquela tarde de segunda feira um desses velhos amigos o mandava mensagens perguntando sobre seus planos para o futuro, Luiz não entrou para a faculdade além disso ele estava desempregado e sem rumo, seu amigo no entanto estava trabalhando nos negócios da família, trabalho bom e estável. Luiz no entanto era filho de um funcionário comum e uma dona de casa, embora ele já não morasse mais com seus pais.

Luiz morava de favor com um velho aposentado e em troca da moradia mantinha a casa em ordem, o velho era sossegado e não estava doente ou algo do tipo, apenas fumava numa cadeira de balanço no quintal olhando as pessoas passarem por sua casinha simples de periferia. Essa tarde foi dura para Luiz, não apenas sua busca por emprego havia sido mal sucedida novamente, como ele foi expulso a força do local. "Perturbação da ordem" eles disseram, foram totalmente intolerantes com a gritaria do "drogado maluco" que estava atormentando os demais entrevistados e os clientes, mal sabiam eles que Luiz era o que mais sofria atormentado naquela hora.

Luiz seria um rapaz tão comum e mediano quanto qualquer outro, não fosse por dois elementos de sua vida, primeiro ele era um pesadelo com qualquer forma de burocracia, segundo ele via fantasmas, dia após dia diferentes espíritos e até mesmo alguns já familiares se manifestavam diante dele sem que ele fosse capaz de evitar, o problema era que ele não escolhia quando nem quem apareceria, ao ser expulso do local em que fora para procurar emprego ele estava tentando se livrar de um desses espíritos que o incomodava, mas como ele poderia explicar aos outros? Com isso mais uma vez ele se viu incapaz de progredir na vida, voltando a estaca zero.

Agora ele estava em casa deitado em sua cama pensando em que outro local ele poderia ir, o que não era fácil, geralmente era um grande sofrimento andar na rua sozinho pois os fantasmas o atrapalhavam emitindo sons incômodos e constantemente reclamando da claridade, durante as noites além de não haver local para entrevistas os fantasmas ficavam mais fortes e caso um deles fosse maligno, logo Luiz sofria quase que uma dor física com sua presença, além de sua voz e imagem ficarem mais claras e mais difíceis de ignorar. Era esse o problema que ele enfrentava, e desde que ele havia saído da escola a poucos meses ele perdeu a chance de ter algum amigo com quem conversar a respeito.

Contudo, nem tudo era ruim. Muitas vezes alguns fantasmas de boa índole apareciam para Luiz, com eles ele foi capaz de conversar muito sobre os mais diversos assuntos, um fantasma bom é um bom ouvinte, e muitos desses eram ótimos nisso, hoje não era diferente. Um fantasma já familiar vinha vê-lo, um fantasma que Luiz chamou carinhosamente de Cássio, afinal o fantasma não lembrava de seu nome em vida.

"Ora, como vai senhor Luiz?" Disse Cássio, enquanto sua forma gasosa se condensava para formar sua silhueta.

"Não muito bem, outra vez perdi o controle em público." respondeu Luiz com um semblante cabisbaixo.

"Não ligue pra isso."

"Fácil pra você falar."

"Bem tem razão, mas quando se está desse lado você percebe quanta coisa na verdade não importa."Cássio começou a flutuar deitado paralelo a Luiz em sua cama, enquanto os dois olhavam para o teto como se lá houvesse um lindo horizonte.

"Você quase nunca fala sobre como é aí. Onde quer que 'aí' seja." disse Luiz

"Bem é esquisito, você não toca nada, não há sensação nem cheiro ou sabor, tudo que sou capaz de sentir são emoções."

"Acho que tem uma lógica nisso." Disse Luiz ponderando como seria um mundo sem cheiro. "Sinceramente, agora não consigo parar de pensar que o tempo todo estou sentindo um cheiro ou gosto, por mais discreto que seja." Luiz salivava e respirava fundo.

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