Capítulo 34 - Cristopher

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Ouvir aquela voz delicada me trouxe uma sensação diferente, talvez uma sensação de alívio. Todas as pouquíssimas vezes que nos víamos, era somente um breve cumprimento de minha parte e uma resposta programada dela. Depois da breve conversa com Ricardo e uma noite cheia de pensamentos, eu decidi tentar. Confesso que foi muito difícil sair da minha zona de conforto, tudo era tão vantajoso, exceto que se eu quisesse conseguir, eu precisaria lutar. No começo dos dias eu procurei cuidar da minha saúde física e agora me empenho na saúde mental. Recebi uma ótima recomendação de uma psicóloga e terapeuta, Cristiane Lima.

E desde então tenho frequentado as sessões de terapia e reuniões de auto-ajuda. Já faz algumas semanas e ainda não consigo me abrir totalmente. Sempre tem uma barreira que me impede de ser 100%. Mas ela diz que isso é normal, sempre tem a timidez e falta de confiança a princípio. E que depois de um tempo e esforço eu conseguiria me abrir totalmente. E eu torço para que ela esteja certa.
O primeiro passo já foi dado e você tem todo um percurso à sua frente!

_Senhor? - Ela me tira de meus pensamentos com sua voz

Ela me entrega a minha lista de atividades a concluir enquanto guardava o celular na bolsa.

_Obrigado! - Ela me olha surpresa e em seguida desconfiada - Eu preciso ir.

Caminho até o meu carro e entro. Leio cada tópico da lista e era muita coisa.
Isso que dá ter sido um idiota a vida inteira!
Meu subconsciente não me dava sossego um segundo sequer. E o pior é que é verdade. Não é da noite para o dia que eu conseguiria, mas todos os dias eu tentaria. Muitos irão estranhar essa mudança repentina mas eu não me importo com a opinião dos outros. Contanto que eu pare de me sentir um merda é válido. Dirijo até a Organização de auto-ajuda e dei sorte, estava prestes a começar. Me sento e a coordenadora começa a explicar o propósito das reuniões. Toda semana ela fazia isso pois sempre tinha alguns novatos. Cada pessoa estava sentada em formato de círculo e ela dá a palavra para quem quisesse começar. Ninguém se prontifica, até que depois de alguns minutos em um silêncio ensurdecedor, um homem levanta a mão e começa a contar brevemente a sua vida.

Suas palavras foram como um baque para mim. Ninguém jamais imaginaria que um homem como ele passava por situações tão difíceis. Eu ouvia cada palavra atentamente, assim como os dois próximos que falaram de seus problemas. Era incrível a quantidade de pessoas destruídas ali presentes. E eu possivelmente era mais um. Quando dá a hora, eu saio e aguardava a próxima reunião. Ainda não tive coragem para falar, mas quem sabe da próxima vez.

Suspiro e pude esboçar um sorriso. Eu tinha vencido mais um dia, foi difícil mas eu venci. Depois de começar eu já me sentia um pouquinho mais tolerável, mas eu ainda tinha um caminho longo pela frente.
Por mim e... por ela?
Sacudo a cabeça espantando as palavras de Ricardo. Eu sou teimoso o bastante para admitir que por ela eu estava assim, mais gente e menos ogro. Sorrio ao lembrar do dia que ela me chamou assim.
Petulante!

E por falar nela, a avisto saindo do prédio. Olho o relógio em meu pulso e eram quase nove horas.
Um pouco tarde para uma mulher andar nas ruas do Rio de Janeiro.
Sim, mas ela não vai aceitar sua carona.
Penso imediatamente mas afasto essa idéia. Dirijo até ela, que ouvia música em seus fones de ouvido e só nota o carro ao seu lado quando passa uma moto fazendo muito barulho. Ela arregala os olhos, apressa o passo e eu me aproximo, abaixando o vidro escuro.

_Ei? - Ela para e tira os fones me observando

_O senhor? - Ela parecia surpresa e eu desço do carro

_É perigoso andar essa hora da noite na rua, sabia?

_O ponto é aqui perto.

_Você não aceitaria uma carona? - Pergunto nervoso

_Não é necessário, o ônibus é daqui a pouco. - Tenta argumentar e eu percebo que ela estava tensa

_Não é incômodo para mim, entre.

_É melhor não, senhor.

_Não quero que nada de ruim aconteça com você.

_O ruim poderia acontecer dentro deste carro. Por isso quero evitar.

_Eu não farei nada com você.

Ela entra e eu a acompanho em seguida, a levando para a casa. Era notório o seu desconforto, ela tinha as mãos para frente, mexendo compulsivamente em seus dedos. Sem contar que parecia estar sufocada, além do silêncio desagradável no ar. Ela olhava para a janela e mexia as pernas freneticamente.
É perceptível o quanto a minha presença a afeta, mas de modo ruim. A olho de soslaio e só então percebo. Essa seria a parte mais difícil de todas. Ela é irredutível e eu não tiro a sua razão. Desde sempre eu sou um monstro com ela, ela tem motivos suficientes para me odiar até a sua quinta geração. Mas se ela aceitou a carona, eu tenho alguns minutos para tentar conversar com ela.

_Você quer que eu abra o vidro? - Ela olha para mim e apenas acena

Abro as janelas e o ar entra em meu carro. Ela dá uma longa suspirada e se ajeita no banco, mas ainda tinha a atenção lá fora.
Ela estava me ignorando, com certeza devia estar torcendo para que chegasse logo e se livrasse da minha presença. Eu não conseguia pensar em nada para puxar assunto com ela, as palavras pareciam entaladas na minha garganta e qualquer coisa que eu pensasse em falar me parecia tão estúpido.

_E então, como foi o seu dia?

Que merda! Não era isso que eu ia perguntar.

Ela se vira novamente e olha-me com os olhos cerrados. Devia estar me achando um idiota.

_Você não precisa se esforçar para puxar assunto, Senhor Magalhães. Contente-se com o fato de eu já ter aceitado essa maldita carona mas isso não significa que precisamos conversar.

_Eu só queria ser gentil.

_Eu conheço suas gentilezas e se quer saber, peço que me poupe.

E eu suspiro e continuo dirigindo. Quando chegamos ao destino dela, eu tranco as portas e ela veio furiosa protestar.

_Abra a droga dessa porta agora!

_Só se me responder uma pergunta.

_Diga logo. - Retruca com sua raiva contida

Toda a coragem de segundos atrás vai embora. Ela aguardava pela pergunta que não veio graças a minha covardia.

_Você sempre sai essa hora? Não é um tanto perigoso?

_Eu não tenho medo e o ônibus estava para vir.

_Eu temo por sua segurança.

_Você é imprevisível, sabia?! - Destranco as portas - Obrigada.

Pude ouvi-la falar antes que se afastasse e entrasse no prédio.

_Você será o propósito mais difícil da minha vida.

Piso no acelerador e dirijo até a minha casa. Tomo banho e me deito sentindo-me mais leve em relação a algumas coisas e mais exausto em outras. Olho para o teto e me viro na cama. Por mais cansado que o meu corpo estivesse, eu não conseguia dormir, e pelo visto até o sono ia brigar comigo hoje.





O outro lado do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora