Cap 6

81 13 1
                                    

Daniel e eu fizemos sexo várias vezes depois da primeira vez e ele acabou pegando no sono. O que é diferente para mim já que eu só faria isso tivesse me casado com Dalila. Na nossa comunidade o casamento é uma maneira de podermos realizar nossos desejos sexuais de uma forma menos suja possível, já que o mais importante que o prazer é termos muitos filhos para que nossa cultura permaneça viva.

Como não vou poder levar minha moto pra São Paulo e vou precisar de dinheiro pra me manter lá, decido sair para tentar vendê-la e confesso que depois de umas três negociações fracassadas eu consegui uma quantia acima do que ela realmente vale. Não que ela esteja caindo aos pedaços, eu praticamente reformei ela toda quando a adquiri, pois parecia mais um ferro velho sem utilidade, no entanto, também não estava em boas condições para vender pelo valor que exigi. Eu não sei ao certo mas acho que é por isso que ciganos são considerados ladrões, mas não é bem assim, no sentido literal da palavra, nós só arrumamos meios de sobreviver em um mundo que não quer nos dar oportunidade nenhuma por causa da nossa má reputação que vem desde o período colonial e antes dele até. Portugal praticamente exilou os Calon para o Brasil em meados de mil e quinhentos e pouco para povoarmos o local que estava sendo explorado porque nós não queríamos seguir o que eles acreditavam ser o modo certo de viver. Como não abrimos mão de ser quem somos e da nossa cultura, fomos escorraçados como párias da sociedade. Mas dizem que nossa verdadeira origem remota a Índia, depois de sermos banidos, iniciamos o nomadismo e nos espalhamos pelo mundo, principalmente Espanha e Portugal. Desde então aprendemos a negociar para termos o que comer e na maioria das vezes essas negociações não eram muita justas. Porém não acho que isso nos torna pessoas terríveis mas sim seres humanos nos adaptando as condições.

Quando volto para a pensão,  já é noite e Daniel está arrumando suas coisas para a viagem. Ele me olha estranho.

— Pensei que você tinha ido embora!

— NÃO, claro que não. Por que eu diria para você que iria para São Paulo com você e depois simplesmente iria embora?

— Porque você é cigano? Me desculpa, eu disse que não sou preconceituoso mas estou sendo.

— Nossa. Só porque sou cigano não significa que eu não tenho palavra. Isso é muito importante pro meu povo, sabia?

— É, eu fui idiota de ter pensado isso de você. Achei que você só queria me comer e dar no pé.

— Por que eu faria isso?

Daniel bufa:

— Porque a maioria dos homens cis gay tem fetiche com um homem de vagina.

— Ah, entendi. Você estava dormindo e eu precisei sair. Não quis te acordar. Além do mais, se eu fosse embora eu não iria sem minhas coisas — aponto minha mochila no canto do quarto.

— Ah, eu nem me dei conta disso. Eu apaguei e a culpa é sua, porque você tirou todas as minhas energias. Estava insaciável — ele diz isso rindo e volta a focar na arrumação de seus pertences. — O que você foi fazer?

— Vender minha moto. Aqui, isso é pra você — pego o bolo de notas e dou para ele.

Daniel suspira fundo e me puxa para a cama:

— Olha, eu sei que você tem uma cultura diferente da minha, que nasceu numa comunidade machista e patriarcal, embora eu não concorde, eu respeito, — fico calado escutando com curiosidade. — só que meu mundo é outro e nele pessoas com boceta não são inferiores as que tem pau. Pelo contrário, são pessoas fortes, trabalham, estudam, criam filhos sozinhas e muito mais. Eu te convidei para ir para São Paulo comigo, então isso significa que eu não quero que me pague por isso. Eu não preciso do seu dinheiro. Quero que fique com ele e use ele com você mesmo — ele me devolve as notas e aperta minha mão carinhosamente.

— Desculpa, eu não queria te ofender. Eu só achei que já que vou ficar na sua casa seria minha obrigação te ajudar com as despesas.

— E você vai, mas só depois que você se estabilizar ok?

— Certo.

— Outra coisa, aquele dia no bar eu percebi que você não tem documentos.

— NÃO.

— Eu vim de carro então vamos voltar de carro, eu gosto de tirar fotos nas estradas, mas você precisa de um documento de identificação, quando chegarmos em São Paulo eu vou te ajudar com isso, não quero que você fique andando por aí sem identidade. Hoje em dia você precisa dela pra tudo.

— NÃO quero te dar trabalho.

— Você não está dando. Eu gostei de você e acho que você gostou de mim. Vamos apenas viver essa experiência nova, deixar fluir e o que tiver de ser será. Tudo bem para você?

— Tudo.

— Ótimo. Agora me ajuda a levar essas coisas pro carro?

— Claro.

Beba deste cálice (CIGANO/GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora