Montanha Russa

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Para algumas pessoas que chegaram a ler essa fic antes de eu colocar esse comunicado, a ideia era fazer essa fic com mais alguns caps, mas por conta de certas mudanças decidi deixar ela apenas com esse cap único. Eu sabia que eu não ia me comprometer o suficiente para terminá-la, por isso decidi fazer essa alteração.

Não irei tirar ela do ar porque é uma fic que mexe muito com o meu coração e não pretendo de jeito nenhum dar um fim nela. 

Se você é novo por aqui, seja bem vindo (a) e se sinta a vontade para ler os meus trabalhos :). Eu não ando escrevendo muito por conta da falta de tempo e criatividade, isso tem me prejudicado de todas as maneiras existentes :(, mas enfim, amo montanha russa e vou deixar esse oneshot por aqui mesmo.

Tenham uma boa leitura e fiquem bem 💜

Com amor, Orion.

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Capítulo dedicado a Félicité Tomlinson


O mundo do lado de fora parece ainda mais inconsequente que minhas atitudes mal pensadas. Ao decorrer que o tempo desacelera no meu ponto de vista, toda a paisagem arquitetada nos mínimos detalhes se desmonta em fagulhos quase imperceptíveis à medida que o carro acelera ainda mais em terreno terroso e virtuoso de natureza verde e alta ao redor.

Arrumo o cinto sobre o meu peito e cruzo a perna direita sobre a esquerda a fim de me aconchegar no estofado do banco de trás do passageiro. A janela ao meu lado, em programação automática, apresenta a majestade natural do dia. As árvores passam depressa, uma ultrapassando as outras em completa desordem. O verde é o todo que consigo captar, e um pouco da estrada não asfaltada se joga em pequenos grãos de terra contra a minha janela, formando manchas borradas e amarronzadas no vidro. Apoio o cotovelo sobre o relevo rente ao vidro fechado e apoio a cabeça na vidraça a fim de memorizar cada traço perdido ao decorrer do trajeto acelerado. A luz oscila por entre as folhas quase invisível e termina seu percurso incomodando as minhas vistas, que me faz fechar as pálpebras e expulsar a luz do meu espaço sensível, mas ato esse demasiado inútil, já que ao abrir os olhos, a luz continuará traçando o mesmo caminho de antes.

Permito a ponta do meu dedo indicador repousar sobre o vidro da janela e traço linhas somente possíveis de serem vistas pelo meu imaginário. Eu traço uma linha horizontal e termino o trajeto com uma linha na vertical e traçando o que seria uma perpendicular entre as duas linhas já desenhadas. Minhas ações inúteis demais para se tornarem capazes de inibir todo o tédio são abruptamente interrompidas quando um frescor assume o controle da minha barriga, libertando mil e uma borboletas de uma vez, fazendo todas elas baterem acidentalmente na parede do meu estômago. Franzo o cenho ao ser pego por essa sensação mais uma vez, e desfaço minha posição a fim de compreender melhor tal feito inesperado.

Minha atenção se volta para ao meu redor e pego minha irmã de quatro anos rindo histericamente sobre seu banquinho com a mão sobre a barriga. No banco do motorista, meu pai parece se divertir com a situação e repete o transtorno novamente, assim fazendo as borboletas do meu estômago dançarem novamente.

Morros, ele está passando sobre morros, fazendo o carro ir para cima e para baixo como uma montanha russa.

Minha mãe no banco do passageiro parece hesitar quanto à folia, mas se entrega em poucos minutos ao caos e permite um riso divertido escapar por entre os seus lábios e passa a se segurar no banco do motorista somente para se assegurar que está á salvo apesar de toda a turbulência.

Demoro-me um pouco para acordar para a realidade, mas as ações repetidas do carro, de subir e descer de morros medianos na estrada de terra, formam pequenos pontos de riso em meu rosto, e com o tempo não consigo me segurar e deixo o riso sair livremente para o espaço. Minha irmãzinha, Fizzy, me pega desprevenido e ri ainda mais quando seus olhos captam o tamanho do meu fracasso ao tentar esconder meu entusiasmo com a brincadeira aparentemente inocente.

- Faz cosquinha - ela tenta dizer entre risos, mas os sons saem em completa desordem e mal consigo entender o que ela diz - Faz cosquinha - ela repete.

Somos pegos de surpresa e mais uma vez o carro desce a todo vapor e os risos se dissipam no ar, misturando uns nos outros em completa harmonia, formando um espetáculo emocional melhor que qualquer concerto de Bach ou Ludovico Einaudi.

- DE NOVO! - a pequena Fizzy grita, e seu pedido é atendido.

Toda a energia se alastra por entre o interior do carro e os sons são da felicidade mais completa e pura já existente neste mundo real demais. Minha mãe ainda adverte o papai quanto aos perigos de se fazer isso muitas vezes, mas o comando está sobre as mãos do pequeno ser ao meu lado, que se diverte mais do que todos com a quebra de todas as regras do que seria uma viagem segura e bem comportada em família.

Observo-a por alguns segundos e o mundo parece desacelerar por alguns segundos. Por certos instantes a vejo como um ser saltitante de várias poças d'água, cortadora profissional de diversas toalhas de mesas dando sopa em qualquer superfície presente em um cômodo não protegido. A vejo andando ao lado das coleguinhas da escola comentando sobre a vida dos pandas, informação que ela viu em um canal totalmente aleatório na televisão. Com o tempo apostando corrida, a imagino lutando pelo seu ponto de vista rebelde quanto a sua vontade de fazer algo além de ficar somente em casa aos quinze anos de idade. Uma fumaça cobre os anos passados e ela parece estar feliz, formada com um diploma em mãos de algum curso ligado às ciências da natureza e um garoto mais alto que ela a carrega por entre todos os formandos, vociferando a todos o quanto a ama, e Fizzy parece irritadiça de tão vermelha, mas o sorriso não a abandona em momento algum.

O desequilíbrio temporal me carrega por terras distantes demais, onde meu pai, castigado pelas impiedosas passagens do tempo, carrega um pequeno ser entre os braços e a leva para todos os cantos da sala de estar, cantarolando uma musiquinha de ninar genérica qualquer. Minha mãe está sentada em um poltrona admirando toda cena sendo apresentada diante de seus olhos. A pequena criatura se remexia em movimentos desordenados demais, mas parecia estar se aconchegando em seu mais novo berço nos braços de seu avô. Fizzy, de longa estatura e cabelos estendidos por toda a sua colina, adentra o cômodo carregando uma manta azul claro e cessa seu caminhar ao se deparar com a calmaria predominante no ambiente.

Vida aquela tão distante mas tão visível ao meu olhar. A paz se apresentava não apenas nos sons, mas nas cores, nas palavras, na luz do dia, tudo tornava aquele tempo muito mais que uma mera premonição. Mas algo não parecia nos encaixes, pois fui pego distraído demais ao perceber que todo aquele tempo, que se formava naquele período e espaço, não me tinha como participante.

O choque ao tomar tão constatação me veio como uma onda de extrema violência, impacto esse que me fez acordar para o mundo real e ter os sentidos tomados pela desordem predominante. Minha irmãzinha Fizzy voltara a ser o pequeno humano de quatro anos de idade, e toda a paisagem ao redor era distorcida pelo movimento desordenado pelo carro que continuava seu percurso de descer e subir.

- Louis - ouvi minha irmãzinha me chamar entre risos - Você não acha isso engraçado?

Observei meu pai escandalizar um ronco divertido, fazendo a minha mãe se contorcer no banco da frente e se soltar involuntariamente do seu porto seguro, mas voltando rapidamente a se segurar com força no banco do motorista.

Sorri e desviei o olhar, dando toda a atenção necessária para a pequena Fizzy.

- Claro que sim - respondi risonho - Faz cosquinha na barriga, como se estivéssemos em uma montanha russa.

Sorri largamente para a minha irmãzinha que não se conteve a rir ainda mais ao sentir o carro descer pelo morro mais uma vez.

A observei por mais alguns segundos e constatei comigo mesmo que nesse tempo pretendo permanecer, nesse tempo pretendo ficar.


Reminiscência  •  lt (oneshot)Onde histórias criam vida. Descubra agora