Um fim (ou um começo)

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Existem poucas ocasiões em que Ochako sente que passou completamente dos limites. Ela pode ser meio impulsiva às vezes, dizer coisas que talvez não deveria dizer com tanta casualidade, mas é, em geral, alguém que se esforça para manter a sensatez. Quando optou por não dar vazão aos sentimentos que nutria pelo Deku num já longínquo primeiro ano, ela o fez por saber que nada de bom viria de sair expondo seu coração dessa forma. O Deku era e é seu melhor amigo, vai saber o quanto ela poderia ter estragado essa amizade caso tivesse se confessado, vai saber quantas amizades poderiam ter ruído no processo, pois as coisas com certeza ficariam esquisitas com o Iida, o Todoroki e a Tsu. Não, Ochako manteve a calma e, com o tempo, esses sentimentos se aquietaram. Deku foi seu primeiro amor, e não poderia ter sido ninguém melhor, porque hoje em dia só a faz valorizar ainda mais a amizade e a admiração mútua que eles sentem. Muito melhor do que um namorico que podia ou não ter dado certo e teria deixado-na arrasada caso não desse.

Mas chega uma hora que tanta contenção, tanta necessidade de manter a sensatez acaba por acumular, e Ochako pode não ser uma completa inconsequente que faz coisas sem pensar, mas também não é construída para ser alguém que se segura com tudo o tempo todo. Vai acumulando e acumulando, e uma hora tem que vazar.

Um buraquinho foi aberto aquele dia no banheiro masculino da Turma B. Um acidente que a expôs bem mais do que ela gostaria para uma pessoa completamente improvável. A postura do Monoma diante do ocorrido não foi das melhores, mas olhando agora em retrospecto, o que mais ela poderia esperar? Alguém que expressaria suas mais sinceras desculpas e garantiria nunca mais falar nisso, mas que talvez se lembrasse disso em momentos aleatórios e deixaria a vergonha crepitar sempre que a encontrasse pelos corredores da U.A.? Ou alguém que tiraria proveito do momento?

O Monoma acaba por ser um meio termo entre esses dois, a teimosia em assumir o quanto a situação foi constrangedora e a forma como ele foi se aproximando depois até que a encurralou — figurativamente — contra um dos corredores dos vestiários e a indagou sobre um possível fetiche em ser observada levaram-na à extrema ação de encurralá-lo — aí sim, literalmente contra a parede do corredor e beijá-lo até que respirar se tornasse um desafio para ambos. Uma atitude extremamente impulsiva e imprudente por parte dela, mas considerando tudo o que envolve o Monoma, será que é assim tão absurdo por parte dela?

Ele é bonito, ok. Não é exatamente quem ela teria em mente como modelo de beleza primária, mas sim, ele é bonito. Não só isso, por detrás das risadas maníacas e provocações empavonadas, há um certo charme nos cabelos cuidadosamente penteados, no sorriso de quem acha que sabe demais, e os olhos... Ochako não sabe o porquê, mas sente que as solas de seus pés poderiam se transformar em geleia quando olha pra ele bem nos olhos, ou melhor, quando ela a olha diretamente, quando ele só... fica quieto e a observa de verdade. O que ela vê nos olhos do Monoma é uma mistura de tanta coisa, frustração, confusão, talvez um pouco de raiva e desdém, mas também há curiosidade, fascinação... desejo. E o poder que vem de ser olhada assim é o tipo de coisa que faria pessoas com a mente mais fraca sucumbirem. Ela quer acreditar que não vai, mesmo que nem saiba a quê, exatamente.

Porque apesar de ter se agarrado ao garoto de uma maneira que a deixa escandalizada consigo mesma quando está sozinha e fora daquela nuvem de impulsos que a rodeia, mesmo que tenha feito isso com uma certa frequência nas últimas semanas, mesmo que às vezes, quando está tirando a roupa e de repente imagina que ele está ali lhe assistindo... mesmo que não pareça, Ochako acha que ainda está no controle e que não está fazendo nada que seja assim tããão errado e que uma hora ela vai se acalmar e simplesmente... parar.

E se isso não acontecer, o Monoma vai trazê-los de volta. Por mais passional que ele seja em muitos aspectos, — em muitos mesmo, principalmente em alguns que ela jamais poderia imaginar — a racionalidade e o apego ao que é lógico devem ser mais fortes. Em algum momento, ele vai simplesmente se dar conta de que está de amassos muito nervosos com uma garota da "desprezível" Turma A e vai enxotá-la. E é um conflito de sensações muito estranho, porque ela meio que espera por isso ao mesmo tempo em que não quer de jeito nenhum, mas também é algo com o qual está contando, já que se depender só dela, Ochako não tem a mínima intenção de parar com... o que quer que isso seja.

Um empolgante acidenteOnde histórias criam vida. Descubra agora