Capítulo 82 - PARTE II

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 — O que? - eu pergunto como uma idiota, me levantando de onde estava ao seu lado. O frio percorre toda minha espinha quando Azriel se levanta também, o cenho franzido. — T-tem certeza, Az? Porque tipo, eu... nunca fiz isso antes e...

— Tá tudo bem, Sol - ele toca meu rosto, sorrindo de leve, mas vejo o repuxar de um músculo em seu maxilar. — Respira fundo, já passou - parece que ele está falando isso para si mesmo. Ele abraça meu corpo no seu, e eu não tenho como negar, apenas consigo passar meus braços por ele e apoiar a cabeça em seu peito, ouvindo seu coração batendo como um trator. Parece que ele está falando isso para si mesmo.

  Consigo atravessar. 

  Consigo.

Atravessar.

CONSIGO ATRAVESSAR.

Me afasto de Azriel, sem fôlego, olhando ao redor. Escuro como um breu, e isso não ajuda em nada! Azriel tira algo do meu traje, mas não consigo me importar se é uma aranha ou uma cobra. Apenas... não consigo. 

— É muita coisa pra assimilar - eu resmungo, tocando a lateral da coxa queimada, as cicatrizes macias tocando na palma da minha mão mesmo com o traje grosso Illyriano. — Elas queimavam, Az, queimavam como o inferno de novo, e... eu não sei como trouxe a gente pra cá, nunca atravessei antes - quando vejo, estou agarrando seus braços, os olhos arregalados, o encarando e esperando respostas. Mas elas não vêm.

  Não vêm porque Azriel está chorando. Chorando. Na minha frente. Eu paraliso, a boca ficando seca como um deserto. 

  Seu rosto está úmido por todos os lados, as lágrimas se acumulando no queixo que treme de leve. O olhar tão perdido no meu que temo que Azriel não esteja mais aqui, mas em algum lugar na própria mente. Parece um garotinho. 

  É isso que me assusta, que me faz entrar em desespero e abraçá-lo tão apertado que ouço ele suspirando de choque. 

— Az - eu chamo baixinho, acariciando sua nuca, enfiando os dedos nos cabelos escuros e macios, que agora estão lotados de grama por causa da nossa queda. 

  Quem se importa se consegui atravessar? Azriel está ruindo e não sei por que. 

— Az, tá tudo bem, meu amor - eu sussurro, tentando abraçá-lo por inteiro com apenas dois braços. Quero abraçar Azriel com todo meu ser. 

  Ele soluça, e eu me apavoro. 

— Azriel - toco seu rosto, limpando as lágrimas no rosto retorcido em dor. Não é dor física, não está machucado, mesmo que eu tenha caído em cima dele como uma pedra. 

  Seus lábios se abrem tão de leve que acho que irá falar algo, mas não o faz. Preciso ouvir sua voz, o som tocando meus ouvidos, seu corpo me abraçando de volta. Está tão inerte nos meus braços que me sinto prestes a chorar também. 

  Por isso faço algo que deveria me reprovar eternamente, porque isso não é jeito de consolar alguém, mas há tantas sombras se avolumando em seus ombros, em seu pescoço, que sei o que vai acontecer se não fizer nada. 

  Azriel vai sumir em si mesmo como sempre fez. Não preciso ler em páginas de livros para saber que essa é sua forma de escape, se esconder nas sombras, na escuridão, até se sentir levemente pronto para aparecer. 

  Por isso, esperando que ajude de alguma forma a trazê-lo de volta, eu o beijo. 

  Seus lábios sempre quentes e receptivos estão gelados como um freezer aberto. Estão contraídos, mas logo relaxam quando dou mais um selinho em seus lábios, murmurando seu nome como uma prece baixa. 

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