Capítulo único

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O homem jazia no sofá acolchoado no fundo da sala, enquanto a música alta soava pela ampla casa. Uma lata de cerveja, que era segurada por dedos firmes, foi levada aos lábios do moreno, que bebericava do líquido, entediado.

O estado de ânimo do esverdeado era um verdadeiro contraste com os corpos cambaleantes que se espremiam, animadamente, ao ritmo da música, em diversos cantos da modesta residência. O estrondoso ruído se misturava ao som de risadas altas e fáceis, que eram proporcionadas graças ao teor alcoólico na corrente sanguínea da maioria daqueles indivíduos. O esverdeado revirou os olhos.

Ele nunca fora do tipo religioso ou supersticioso quando o assunto era natal, mas, aquela, definitivamente, não era a forma que ele havia se imaginado passando aquela noite. Ou a forma que o vinte quatro de dezembro deveria ser comemorado. Parece que a cada ano o natal havia tido seu significado completamente distorcido, sendo nada mais que um pretexto para favorecer o comércio e feriados prolongados. A base religiosa praticamente esquecida.

Mas ele que não iria tentar contrariar tudo aquilo agora. Orgulhosamente ateu, e infortunadamente, órfão 一 com os únicos parentes vivos vivendo do outro lado do planeta一, seus planos para aquela véspera de natal envolviam um belo cochilo, proporcionado por um eficaz coma alcoólico que há tempos não era abençoado.

Encarou as pessoas à frente, deleitando-se com o restante de sua bebida. Apoiou uma das pernas por cima da outra, enquanto revirava os olhos, pela milésima vez apenas naquela noite.

Ele não era conhecido por ser um homem de valores ou conduta exemplar, entretanto, a imagem de jovens completamente embriagados, dançando ao som de músicas que eram tudo, menos natalinas, em plena véspera de natal com certeza não era reflexo do que os cristãos e conservadores tinham em mente para aquela época do ano. A faixa escrita "Feliz Natal" em letras neon e a decoração de pisca-piscas por todo o local não ajudavam em nada.

Além disso, ele duvidava que alguma daquelas pessoas estivesse realmente preocupada com a comemoração em questão naquela festa em especial. A desculpa "festa natalina" era nada menos que uma desculpa para encher a cara na visão de alguns 一 inclusive na dele 一 e ele com certeza não deixaria de lado a ideia de uma festa com bebida liberada. Ao menos aquela seria uma forma de distrair sua cabeça da confusão que o afligia.

Já para o anfitrião do evento, era apenas mais um motivo para festejar até o amanhecer e encher a barriga dos melhores quitutes que a data natalina podia proporcionar. Balançou a cabeça e batalhou um sorriso ao observar o rapaz moreno animado com a boca cheia, recebendo um tapa na cabeça da mulher de cabeleira ruiva inconfundível que, inclusive, era um dos fatores determinantes para ele estar enfurnado naquele inferno barulhento.

O que um homem preocupado com a sua masculinidade intacta não fazia?

Ele preferia não colocar à prova a ameaça de castração que a bruxa ruiva havia lhe imposto caso não marcasse presença naquela noite. Um formidável exemplo de amiga preocupada, realmente.

Trocou a posição das pernas, intercalando a que ficava apoiada por cima, enquanto mais uma música infernal de batida eletrônica começava a tocar em um volume ensurdecedor, e cerrou os dentes para não emitir um xingamento quando um rapaz ruivo tropeçou em seus próprios pés, derramando a bebida nos sapatos do esverdeado, e seguindo em frente como se nada tivesse acontecido, sem se preocupar em se desculpar.

Droga. Natal não era a época em que todos eram, magicamente, tocados por um sentimento indescritível de felicidade e esperança? Trocavam presentes especiais, distribuíam sorrisos e abraços calorosos, em um mundo cor-de-rosa onde não existem problemas?

A Magia do NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora