Um natal encantado

25 5 12
                                    

Francisca corria pela casa mais rápida que as carruagens que chegavam às comemorações natalinas. Ela era pequena e ágil, saia da cozinha para as salas e para o quarto das crianças mais veloz que qualquer um.

Naquele momento, levava roupas formais para as crianças, mas para chegar ao quarto inevitavelmente enfrentaria a lotada sala das visitas, um verdadeiro desafio. Contudo, não havia tempo a perder e tinha a vaga esperança de encontrar Afonso, então apenas segurou com firmeza as roupas engomadas e seguiu.

Ainda que tentasse correr, foi parada por alguns visitantes que entregaram chapéus e guarda-chuvas para que fossem guardados. Ela pôs tudo na sala mais próxima e correu, impaciente. Algum dia conseguiria fazer apenas o seu trabalho?!

Francisca detestava quando pessoas novas chegavam na casa. As que ali habitavam lhe reservavam ao menos o mais primitivo respeito, diferente da maioria das visitas. A família chamava-na pelo nome, às vezes de Chica ou - e isso se restringia aos mais chegados - Chiquinha, além de maioritariamente lembrar-se do "por favor" ou "por gentileza" ou de perguntar "você poderia...?" Mas não era assim com os convidados. Eles pouco se importavam se as crianças a consideravam família, muito menos se os senhores lhe tinham algum prestígio e permitiam mesmo sentar-se à mesa ocasionalmente. Para os desavisados, Francisca era apenas uma escrava que se apressava pela casa e devia servi-lhes.

Ela puniu sua ira com um beliscão. O que a senhora Joana diria se a visse com tamanho desgosto por pessoas desconhecidas? Francisca não deveria ser tão maldosa e sabia, escolheu deixar de lado as primeiras impressões e seguiu em frente.

- Senhorita Francisca, por favor me ajude! - Foi o pedido do menino João assim que ela adentrou o quarto. - Ana quer me acertar com o candelabro!

 - Ana! Por que faria isso?!

 - Senhorita, ele colocou um sapo no meu sapato! 

 - João!

 - Foi brincadeira, eu juro. Por favor não me castigue. 

 - Não jure, já te disse que não pode. O castigo, resolvemos depois, agora, venham, estamos atrasados.

 As crianças correram pelo quarto enquanto Francisca os ajudava a se aprontarem para a festa. João satisfeito em escapar da punição e Ana revoltada com a injustiça. A despeito das travessuras e das brigas, eram crianças adoráveis e Francisca os amava como irmãos.

Ana e João tinham nove e sete anos, respectivamente, ela tinha cabelos escuros, ele claros, ela olhos azuis cinzentos, ele castanhos, ela era educadaca como uma dama e ele inquieto como um furacão, ela era habilidosa com as artes e a literatura e ele inventava diversos artifícios para variadas funções. A única semelhança entre eles, além da sanguínea, eram as bochechas redondas e coradas.

 Fazia dois anos Francisca havia sido tirada da colheita para tratar dos filhos dos senhores e os três viveram muitas aventuras juntamente com Afonso, o primo das crianças que passara um tempo na fazenda e com quem Francisca trocava cartas semanais.

Os quatro guardavam o segredo da travessia do espelho mágico que os levava a lugares com dragões, bruxas e monstros, onde a astúcia de cada um, por mais de uma vez, os havia salvado dos incontáveis perigos, mas para onde sempre voltavam para rever os amigos. 

 Quando todos estavam prontos, Francisca mandou que se comportassem e os dirigiu à mãe, em silêncio deixou a sala das visitas e abrigou-se na biblioteca, distraindo-se em ler um dos volumes da estante.

Um dos convidados que conversava com a senhora ali perto viu isso e perguntou à mulher com curiosidade se aquilo era permitido aos serventes.

 - Somente à Chica. - A senhora respondeu, complacente. - É a escrava que cuida das crianças. Veio da Bahia. A mãe morreu no parto e a dona antiga pegou para criar. Era uma viúva de idade, solitária e de bom coração, educou a menina como uma filha.

Contos de Um Tonttu Onde histórias criam vida. Descubra agora