A ponte

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Em 1925 a ponte de Montlake foi inaugurada com exatos 105 metros de comprimento e 14 de altura no vão livre. Feita pra ligar Montlake com o distrito universitário e facilitar a passagem de barcos e navios pelo canal de navegação do lago Washington, a ponte basculante é um dos pontos turísticos mais visitado em Seattle durante boa parte do ano, mas não naquele dia.
Era outono, a cidade estava enchendo de universitários por conta da volta as aulas e os turistas chegavam com a falsa esperança de estarem acontecendo gravações de Greys Anatomy ali.
Mia estava parada no parapeito da ponte, olhava a água e as pequenas ondas que se formavam toda vez que mexia o pé e pedrinhas caiam na superfície. Fechou os olhos e respirou fundo, naquele momento milhões de coisas se passaram em sua cabeça e era quase impossível organizar seus pensamentos, já estava daquele jeito a alguns meses e aquela ponte parecia ser a saída perfeita pra tudo, estava com o tornozelo machucado, só precisaria de uma cena perfeita e as câmeras de segurança ou qualquer um que pudesse ver diria que foi um acidente.
As mãos espalmadas no ferro enferrujado do parapeito suavam como nunca antes. Um ar pesado saiu de sua boca e ela finalmente abriu os olhos, cerrou os cílios com a claridade que irritava os olhos azuis e quase conseguiu visualizar seu irmão ao lado negando com a cabeça ou então a avó com os lábios pressionamos praguejando a garota por carregar um nome tão forte e ser tão fraca.
Os Valentini seguiam o padrão de família considerado perfeito. Os amigos do colegial que se casaram na faculdade e tiveram um casal de filhos que faziam inveja aos vizinhos e as outras famílias.
Uma risada baixa e nasalada saiu de Mia, pensar na família não era bem um impedimento pro que queria, era quase um incentivo pra dar continuidade no plano. Olhou mais uma vez pra água e calculou mentalmente quantos segundos levaria pra despencar 14 metros e se aquilo iria doer, não conseguiu fazer a conta, era péssima em matemática e não sabia nem como fazer regra de 3 nas contas básicas.
Em um momento de coragem Mia tomou fôlego e passou uma das pernas pelo parapeito, não podia pensar muito se não iria desistir. Olhou ao redor pra garantir que não tinha ninguém olhando e passou a outra perna. Se segurou em um dos cabos de suspensão e olhou outra vez pra baixo.
— Acha que está gelada? — uma voz baixa acordou Mia dos devaneios e se não estivesse segurando o cabo iria ter caído ali mesmo com o susto. Ela franziu o cenho e virou lentamente a cabeça.
— O que? — perguntou quase sem voz. Havia olhado antes e assegurou que nao tinha ninguém ali, mas por via das dúvidas checou mais uma vez seu redor.
— A água, acha que está gelada? — a voz suave da desconhecida perguntou mais uma vez.
— E-eu não sei... talvez sim. — arranhou a garganta tentando ter mais controle na voz que ainda estava falhada. Mia encontrou o olhar escuro da então desconhecida. Ela olhava pra baixo com os lábios pressionados e as sobrancelhas arqueadas, se pudesse ler mentes, Mia teria desvendado o que aquele olhar queria dizer.
— Você vai pular? — Mia segurou o ar com a pergunta repentina, não estava esperando por aquilo e a primeira intuição foi negar com a cabeça, mas recebeu um olhar de reprovação e desviou o olhar pra água outra vez.
— Acha que vai doer? — perguntou e voltou sua atenção pra garota que segurava uma alça de mochila em um dos ombros, provavelmente era uma universitária voltando pra casa ou uma turista conhecendo a ponte e esperando o espetáculo que seria quando elevassem as folhas de asfalto pros barcos passarem.
— Não... se você cair do jeito certo não, mas se for errado vai sentir dor. — não era bem a resposta que Mia esperava, mas foi o bastante pra ela engolir um nó em sua garganta e segurar ainda mais forte o cabo de sustentação. — Eu vou com você, te ensino a pular sem doer tanto. — a voz completou e Mia conseguiu ver uma ponta de sorriso nos lábios da garota. Aquilo nao estava saindo como o planejado.
— O que? Não, quer dizer, não, você não vai pular comigo... a água deve estar gelada e... — Não conseguiu dizer mais nada, quando se deu conta a desconhecida já havia deixado seus pertences na mochila e estava posicionada ao lado dela.
— Precisa de muito mais que uma queda de 10 metros pra matar alguém, você sabe, não é? — Mia concordou com a cabeça mentindo, achou que os 14 metros seriam suficientes. — está com medo? Vai desistir? — Outra pergunta, aquilo já estava irritando a loira que já estava arrependida de ter pisado naquela ponte.
— Não vou desistir, só preciso respirar. — a voz de Mia ainda estava baixa e falhada. Olhou outra vez pra água e puxou o ar. Soltou o cabo de suspensão, virou o rosto pra desconhecida que prontamente encontrou a mão dela.
  Se tivesse planejado como o dia iria ocorrer, não teria colocado pular de uma ponte com uma completa estranha as 4 da tarde na lista. Sentiu o toque em sua mão e pressionou os lábios. Abriu a boca pra contestar e dizer que não queria mais fazer aquilo, mas antes que o pensamento se concretizasse pra finalmente sair som de sua boca, as duas estavam no ar despencando pro que Mia pareceu uma eternidade.
   Quando os corpos bateram na água, Mia apertou os olhos e segurou o ar. A garota que a acompanhava fez o mesmo. Não havia som nenhum ali, era um silêncio que embora ensurdecedor causava uma calmaria estranha. Mia foi a primeira a voltar pra superfície. Um sorriso largo escapou de seus lábios assim que percebeu que a maior loucura da vida havia sido cometida. Passou a mão nos olhos e balançou os pés pra permanecer flutuando e não afundar, agradeceu mentalmente pelo pai ter ensinado a nadar em uma das viagens quando criança.
   Estava tudo melhor do que esperava. Olhou pra cima e viu a ponte ainda fechada, faltava pouco pra abertura dela e pro canal ser abertos pros barcos, isso significava que precisava sair logo dali. Deu uma braçada em direção ao lado direito do lago, mas parou assim que percebeu que a nova amiga não estava ali com ela. O ar sumiu dos pulmões da loira naquele exato momento.

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