Zumbis. A pior coisa pra mim no mundo, o meu pior pesadelo veio à tona. Como aconteceu? Um meteorito caiu dos céus. E, não sei se você sabe, mas brasileiro é gente curiosa. Correu todo mundo que tava perto pra ver. A gente que é daqui num vê nada de diferente, e um meteorito? Correram pra ver, menos eu, eu vi pela televisão. O meteorito era lilás, a pedra lapidada mais linda que eu já vi.
Poucos dias depois, as pessoas começaram a agir estranho. Começavam a gritar com as mãos na cabeça e logo em seguida dava-se início à transformação, foi um surto! Como já estávamos cientes da pandemia da Covid-19, quer dizer, a maioria das pessoas, pois sempre têm aqueles com a cabeça de vento, pior que os zumbis, começamos logo a usar máscaras, mesmo sem saber o método de contaminação.
Com o passar dos dias, percebemos que não podíamos ser mordidos ou arranhados. Não se inalava o vírus. Mas mesmo assim, eu continuei usando máscara, vai saber. Alguns lagos e açudes foram interditados, pois a água estava sendo contaminada. A sorte é que os zumbis são tão lentos, que damos três passos, enquanto eles ainda estão no primeiro. Mas a fofoca no dia da infestação foi rapidíssima. Minha mãe dizia que a fofoca move o mundo, realmente, as vizinhas fofoqueiras foram as primeiras a se transformar. Vez ou outra eu escuto um chiado vindo deles, talvez seja a fofoca ainda, talvez coisa da minha mente.
Hoje, no dia quarenta e quatro depois da infestação, eu e minha prima fizemos um sorteio, sendo assim, é o meu dia de ir pegar água, pois aqui na minha casa, a água está imprópria para o consumo. Existe um depósito, tipo um sumidouro de concreto e metal improvisado, mas as bordas são bem pouco inclinadas, o que dá pra passar por ela, e depois de uns cinco passos, fica fácil se aproximar bem do buraco com água. Minha prima o chama de depósito funil, só ela pra me fazer rir numa situação dessas. E também, o fundo tem aproximadamente uns dois metros de profundidade. Como minha prima sabe dessas coisas? Melhor eu nem perguntar.
Não consegui dormir bem essa madrugada. Saí cedo de casa, juntei todos os meus suprimentos, caso eu venha a me perder ou tenha que me isolar em algum lugar próximo. O poço fica não muito distante daqui. Eu tô morrendo de medo. É uma caminhada rápida, mas muito perigosa. Alguns zumbis estão inativos por conta do sol, eles ficam parados até escutar alguma voz, a voz desperta algo neles. Zumbis fofoqueiros!
Cuidado. Muito cuidado, Lia! Minha respiração quase não sai. Até então tudo tranquilo, consigo já ver o poço daqui. É um pouco maior do que a minha prima tinha me dito. Passo por entre a grama já alta, com as pernas tremendo. Lembro quando eu vinha por esses lados pegar pedrinhas pra ajudar minha vó a decorar os vasos de plantas. Saudades, vó.
Chego mais perto do poço e deixo minha mochila na parte de entrada. O que é aquilo? Merda! Escorreguei, não, não, não, isso não pode tá acontecendo! Quero chorar. Tem três zumbis dentro do poço e eu não consigo voltar pra borda, mas também não posso entrar no poço já quase vazio. Nem água tem! Eu vou ma-tar a minha prima!
Estou escorregando muito e me cansando rápido, quando eu acho que consigo alcançar a borda, eu escorrego de volta. Se um deles me alcançar, eu tô lascada. O pior, eles já perceberam que tô aqui e tão tentando subir. Parece um jogo, eu escorrego e eles tentam me alcançar, depois eu tento subir de novo. Eu vou morrer aqui!
Estou cansada, sem forças. Não tenho comunicação com minha prima. Quero chorar, meus braços e pernas já estão sangrando e arranhados pelo concreto de tanto tentar me arrastar pra poder escapar.
Pera, consegui me segurar em algo, vai dar certo, vai dar certo. Merda! Minhas mãos estão muito fracas pra se agarrarem em algo. Não, não, não, não... Enquanto eu caio lentamente no poço e eles puxam minhas pernas, só consigo pensar em uma coisa: que grande fofoca eu daria.