Capítulo Dezoito

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Havia um post-it quando acordei. Ainda era cedo para começar a me arrumar para as aulas. Ele estava colado na parede ao lado da minha cama e era amarelo, letras delicadas e um pouco tortas.

"Desculpa por ontem, eu fui idiota, espero que me perdoe. Saí mais cedo. Acho que você não quer ver minha cara. Por favor, não jogue minhas coisas pela janela, daria trabalho para catar tudo. Desculpa×2"

Deixei o post-it onde o encontrei e fiquei deitado na cama um pouco mais. Minha vontade de levantar não existia mas eu estava com fome. Fui dormir sem jantar. Pensando seriamente em pegar a bandeja com a comida, me trancar no quarto e fingir estar doente para não ter que enfrentar o dia de hoje. Ou o de amanhã. Quem sabe eu possa ficar aqui até as férias de carnaval, quando irei para casa... sinceramente não sei o que é pior. Coloco o travesseiro no rosto mas não faz com que eu queira dormir de novo. Aproveito a ausência de Arthur e pego o celular — que escondi debaixo da cama enrolado em uma meia.

Não havia notificações porque o Wi-fi ficava desativado. Eu não sabia da potencia da audição de Arthur, então deixar o celular vibrar é um perigo. Bateria cheia. Ainda bem.

Mesmo achando a decisão idiota, acabei procurando o perfil de Arthur no Instagram e por sorte, é aberto. Ele tem fotos na praia, fotos com o instrumento dele, com amigos... Arthur tem mais de quatrocentas fotos. Não olhei todas, fiquei entediado quando havia uma fileira inteira só com fotos de pratos chiques. Saí do Instagram e fui ao aplicativo de mensagens. E lá estava.

"Como você está?"

"Quer ir ao cinema? Depois podemos ir a sua casa"

As últimas mensagens que eu havia enviado para Regina. Eu evitava entrar na conversa com ela, ficar relendo nossas mensagens e piadas internas — evitava o mesmo com a conversa com Mica. Mas às vezes a saudade é tão grande e espaçosa que só posso recorrer ao que mais me dói para me sentir bem. Não fazia sentido, mas eu estava cansado de tentar fazer sentido.

Batidas à porta. Rápidas. Três vezes e mais uma, essa última, devagar.

Levantei e abri a porta. Dei de cara com Vinci, usando gorro e moletom.

— Oi, porque o gorro?

— Meu cabelo está horrível. Posso?

Dei espaço para ele entrar.

O celular está na cama só que não me preocupo se Vinci o vir, ele já tinha visto de qualquer jeito.

Quando passou por mim senti o cheiro do sabonete dele, que eu não sabia a marca, mas sabia que era gostoso de cheirar. E por isso eu passava bastante tempo enterrando meu nariz na curva do pescoço dele quando tinha chance. Antes. Agora... Agora não sei como as coisas estão entre nós. Ou se tem algo para ajustar.

— Alguém viu você?

— Além dos caras no corredor, de Paulo do segundo ano, de João Pedro do primeiro ano... Acho que mais ninguém. Tenho algo aqui comigo.

Ele puxa do bolso um fone de ouvido.

— Hã?

— Quer passar um tempo dividindo o fone e escutando o Spotify?

Sorrio, feliz. Não sei porque tento conter meu sorriso, conter minha felicidade. Na verdade, eu nunca havia pensado nisso. Agora eu quero agarrar a minha felicidade com as duas mãos. Digo que sim e Vinci vem para minha cama. Deitados, dividindo o fone, escutando qualquer música, eu me senti feliz como aquele dia no circo e eu soube que precisava me calar se quisesse que essa felicidade continuasse intricada. Eu não queria que nada atrapalhasse meus momentos com ele, porque pareciam raros, pareciam passar rápido demais.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora