Capítulo 3

39 6 1
                                    




A noite cai lentamente depois de um dia ensolarado e fresco, a lua aparece no céu, apesar do horizonte ainda teimar em manter uma cor azul arroxeada. A atmosfera se torna mais densa e úmida conforme vou andando com as mãos nos bolsos do casaco pelas ruas amareladas pelas luzes dos postes. Ao meu redor, as pessoas apressam o passo, despreparadas para a mudança repentina de temperatura que sucedeu um dia de mangas curtas e pausas para o almoço passadas nos bancos dos parques sob o sol.

O telefone vibra ritmicamente no bolso interno do meu sobretudo e eu o pesco para atender a ligação. Sorrio quando vejo quem é.

— Já chegou? Foi tudo bem?

— Me lembra de te contar sobre uma coisa que aconteceu no voo – Eu concordo e Gael continua. — Não dormi nada... Daqui a duas horas tenho que estar na sala de imprensa, você acha que devo tentar tirar um cochilo? Já está no teatro?

— Quase chegando. Não dorme, vai se atrasar. Me liga mais tarde?

Dá para ver o letreiro do teatro da esquina. Algumas pessoas conversam na porta e eu tento ver se reconheço alguém. Começo a brincar com um fio solto dentro do bolso, passo ele pelos meus dedos como um vilão esfregando o bigode.

— Te ligo quando você acordar.

Escuto o barulho do chuveiro e o som fica abafado por alguns segundos enquanto Gael tira a camisa. Consigo imaginar ele deixando um montinho de roupa no chão do banheiro, para depois colocar pasta de dente na escova, checar o espelho e passar as mãos pelo cabelo enquanto escova os dentes e espera a água esquentar. Digo a ele que mando uma mensagem de manhã e me despeço.

— Aproveita a noite. Te amo.

Desligo e checo as notificações. Há uma mensagem de Ethan dizendo que chega em cinco minutos e sinto um balão murchar na minha barriga. Esperar sozinha por alguém em um ambiente desconhecido é um desafio para mim, mas tento me concentrar em uma coisa concreta: meu cabelo está bonito, isso me dá confiança para me posicionar perto da porta e evitar olhar em volta a cada minuto. Checo o Instagram para passar o tempo, mas depois de três fotos bloqueio a tela e volto a olhar os dois lados da rua. Vejo Ethan a alguns metros, de cabeça erguida e sorrindo, ele já me viu e acena andando mais rápido. O paletó sem gravata valoriza seu corpo esguio, mas o cabelo está um pouco bagunçado, apesar de bem penteado para trás. O contexto geral é tão tentador que baixo os olhos quando vejo que ele está me olhando também.

— Oi – ele me diz ainda sorrindo, depois me cumprimenta com um beijo na bochecha e um abraço. — Você está linda. Desculpa o atraso.

Já comecei quebrando uma regra, penso.

Ethan havia me mandado uma mensagem logo no dia seguinte ao que nos conhecemos. Desde a primeira linha parecia que já nos conhecíamos muito antes e eu não tinha medo ou vergonha de ser honesta nas minhas respostas. Apesar de não termos conversado tanto assim, sabia que podia dizer qualquer coisa e ele acharia legal. Acabamos combinando de ir juntos à peça de Anna, que ele também conhecia. Então, depois de combinarmos horário e local me ocorreu que estaria sozinha com ele, tão sozinha quanto se poderia estar em uma plateia, o que não era pouco. Quando meus pensamentos começavam a caminhar para a ideia de estar tão perto dele de novo que poderia sentir o cheiro do seu perfume, me obrigava a mudar de curso, dar meia volta, se eu fosse por ali, não poderia voltar.

Naquela manhã, sentada na cama, com as mãos agarrando o lençol discretamente entre meus dedos, olhei Gael enfiar as últimas roupas com descuido na mala. Só a presença dele já era suficiente para baixar a pulsação nervosa na minha têmpora e quando ele fosse embora, só por alguns dias, eu estaria por conta própria de novo. Como todas as outras vezes, eu não disse nada sobre isso. Dobrei algumas camisas quando ele foi pegar a escova de dentes no banheiro e as coloquei com cuidado na mala azul. Beijei sua boca e senti suas mãos nas minhas bochechas quando nos despedimos. Desejei boa viagem, mandei um último beijo quando ele olhou para trás antes de entrar no Uber e ri quando ele fez um pequeno coração com os dedos por trás do vidro do carro. Depois passei o dia escrevendo dez palavras e apagando vinte e bebendo chás amargos porque esquecia de tirar o saquinho no tempo certo e cafés gelados porque esquecia a caneca na cozinha ou ao lado do sofá.

Você, ele, nós | Barry Keoghan + Andrew Garfield fanficOnde histórias criam vida. Descubra agora