𝐋𝐎𝐕𝐄𝐑 𝐈𝐒 𝐀 𝐃𝐀𝐘, 𝘣𝘳𝘶𝘯𝘰 𝘮𝘢𝘥𝘳𝘪𝘨𝘢𝘭

003

Os olhos de Mirabel rolaram pelos cantos mais escuros daquele cômodo, era um ambiente sujo e podre, o cheiro de mofo impregnava facilmente no nariz de quem o visitava pela primeira vez. Há quanto tempo um lugar desse não recebe luz do sol? Honestamente, há quanto tempo o simpático inquilino não via o lado de fora?

Após perserguir o homem por entre os apertados corredores internos da casita, Mirabel estava frente a frente com a figura responsável pelos maiores pesadelos e conspirações dos moradores de Encanto. Honestamente ele estava um pouco diferente do que ela se lembrava, mas Mirabel era apenas uma criança.

A garota encarava o seu tão mal-falado tio com uma expressão ambígua no rosto e um leve frio na barriga. Ela finalmente poderia entender o que estava acontecendo e o que poderia fazer a respeito de todos os acontecimentos a qual injustamente se culpava.

O homem de expressão assustada apenas escorava-se no sofá vermelho que residia no meio de todo aquele ambiente pequeno e pouco acolhedor. Sua cabeça repousava confortavelmente no tecido velho e encardido daquele sofá ━ que antes possuia um tom escarlate ━ sobrevivente de décadas dentro daquele porão. Mirabel andava pelo cômodo enquanto seu tio falava sobre os privilégios de se morar escondido dentro da própria casa, como um parasita. Ela encarou pela brecha da parede e enxergou a sala de jantar, logo abaixo, havia uma extensão da mesa junto de um pequeno prato rabiscado com o nome "Bruno" bem desenhado e conservado. Provavelmente ele o retoca sempre que pode.

"Sabe... As visões não estavam colaborando com a família, então eu fui embora. Quer dizer, fui e não fui. Aqui é ótimo, tenho comida e entretenimento grátis, os ratinhos são bons atores, não os subestime." Soltou uma risada nasal na última frase, tentando descontrair o clima tenso no local e não preocupar Mirabel com os seus problemas que, de acordo com ele, têm que permanecer no passado. "Vocês estão com fome, não é?" Rolando os calcanhares para o lado oposto, Bruno começa a conversar alegremente com seus pequenos ratos enquanto os oferece Arepas.

Mirabel não estava entendendo, encarou o homem de canto de olho enquanto ele sutilmente pegava seus ratinhos e conversava como se eles fossem crianças. Ele não tinha dois metros de altura e, aparentemente, não se divertia com os gritos assustados das pessoas, ele apenas estava aproveitando o único pingo de sanidade mental que ainda lhe restava, atuando com seus ratinhos e fingindo estar criando roteiros de novelas.

Ele não era ruim. Nem mau. Nem nada do que sua família e os moradores de Encanto o faziam parecer.

''Você cuida de... Ratos?'' Mirabel pergunta com os ombros erguidos, mas com certeza já sabia da resposta.

"Você já conhece o Mr. Corazón quinto? Ou será que é o Sexto?" Ele perguntou para a sobrinha que logo virou a cabeça e o encarou com um olhar confuso.

"Quinto...?" Mirabel perguntou confusa.

"Ah, você sabe... Os ratos têm uma vida curta, então eu os nomeio sempre com os mesmos nomes." Ele parecia feliz. "Vamos lá, ele é este pequeno aqui." Virou-se instantaneamente com o bichinho em mãos. "Bom... Diferente de mim, ele costuma dizer coisas bonitas para as pessoas, elas só não entendem. Veja só, ele diz que você tem um coração muito bom." Sorriu ao aproximar o rato do seu ouvido.

Mirabel não soube reagir da maneira que deveria, afinal, ela não sabia se ele estava falando sério ou apenas tentando parecer engraçado. Bruno, percebendo isso, deixou o ratinho na estante com sua arepa con queso e retornou para o seu sofá velho. A garota o acompanhou com o olhar.

"Olha, eu acho que você deveria ir embora." Falou de uma forma tensa. "Mesmo que não tenha motivos. Er, bom... Nenhuma razão pra ficar é uma boa razão pra ir." Virou o rosto, deixando seus cabelos cacheados esconderem seus olhos enfeitados com bolsas roxas e bem aparentes acompanhadas de leves rugas de expressão. ''Você não vai encontrar nada do que veio buscar aqui. Sinto muito.''