Eu que não sei quase nada do mar
O som dos talheres deixando as mãos de Gabriela e batendo sobre a louça, agora vazia, se destaca em meio a playlist que toca ao fundo. Não consigo me puxar para fora do olhar dela, nem mesmo ouço as músicas que tocam uma após a outra, mal consigo identificar a que toca nesse momento.
Estamos num silêncio bom, Gabriela acabou de me contar sobre o tempo em que morou fora do Brasil para concluir sua especialização em Obstetrícia, e eu contei a ela sobre minha paixão por idiomas diversos.
— Então além de linda, inteligente e bem-sucedida, Ilana Prates também pode ser considerada poliglota? — Gabriela diz, com um sorriso pequeno crescendo nos lábios. Ela afasta seu prato devagar e se apoia na mesa com um braço, pegando sua taça e levando até a boca.
Percebo que estou há tempo demais sem responder.
— Ah não, que isso!? Eu? Sou, no máximo, esforçada! — Faço o possível para manter a voz firme, era só o que me faltava, parecer nervosa a essa altura do campeonato. — Na carreira de modelo você precisa saber de tudo um pouco, isso somado à minha curiosidade por outras culturas, consigo sim me virar em alguns idiomas, mas nada muito sofisticado... — termino sorrindo.
— Duvido, Ilana, a modéstia talvez seja a única coisa que não lhe cai tão bem assim...
Sinto meu rosto esquentar, mas me recuso a quebrar o contato visual, alcanço minha taça com os olhos ainda presos nela e levo até a boca. Decidi dar a mim mesma um happy hour essa noite, para poder aproveitar com Gabriela um Château Les Rouillères Bordeaux que estava guardado justamente para esse momento, mais tarde bebo mais água que o normal e depois ainda tenho algumas horas até Maria precisar de leite novamente.
— E o vinho? Gostou? — Troco rapidamente o assunto, tentando tirar o foco de mim.
— Tá brincando? É incrível.
— Viu só? Eu disse que gostaria, só não havia provado o tinto certo ainda. E saiba que tens muito bom gosto, logo o mais refinado te agradou.
— Quanto a isso eu não tenho dúvidas, meu amor... — é a forma como ela fala, sabe exatamente o que dizer para me tocar, mesmo ainda do outro lado da mesa.
— Quer ir para o sofá? É mais confortável para conversar — e também para ficar mais perto, mas essa parte não disse em voz alta.
— Vamos sim, pode ir primeiro e eu retiro a mesa.
— Nada disso, venha comigo e amanhã resolvemos a mesa — Tentei não soar tão desesperada e sinto que falhei.
Deixo Gabriela passar na minha frente e enquanto caminhamos até a sala, alcanço meu celular e aumento um pouco mais o volume da música. Sentamos no sofá com uma distância considerável entre nós, até que me lembro das taças na mesa e me levanto novamente para buscar. Na volta faço questão de sentar mais próxima dela.
— Obrigada pelo jantar — começo, sem saber ao certo onde quero chegar, lhe entrego uma das taças, sem saber ao certo qual é a sua — e pela companhia, não sei o que seria de mim agora sem toda a sua ajuda. E obrigada por continuar ao meu lado, respeitando meu ritmo...
— Você não precisa me agradecer por nada disso, Ilana. Eu quero estar com você e faço o que puder, meu amor, para que possa aproveitar a sua companhia. Além do mais, sua cama é muito mais confortável que a minha, sinto falta dos seus lençóis egípcios quando volto para a minha casa. — Ela responde rapidamente, piscando e sorrindo para mim, pegando a taça da minha mão e colocando junto a dela sobre a mesa de centro.
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Eu que não sei quase nada do mar
FanfictionIlana não sabe, quase nada, do mar e Gabriela se dispõe a ensiná-la a nadar (e a se afogar ao mesmo tempo). O título vem da música de mesmo nome, escrita por Ana Carolina e interpretada com maestria por Maria Bethânia.