A fera das lanternas

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Nada brilhava dentro da cabina. Detrás de um vidro, sob a luz de uma lâmpada pálida, observava.

Era tudo desorganizado, vários livros sem resposta estavam jogados ao chão, com suas páginas arrancadas da capa e penduradas num quadro de tecido grosso na parede de ladrilhos frios. Eram estudos bem antigos, datados de uma época onde...ele ainda vivia. Páginas dos manuscritos do Lich de Yhorum* e suas palavras distorcidas pareciam estar ao chão como a relva estaria nas colinas, esparramada como se não tivessem valor.

Um pequeno ventilador de teto gemia em seu posto, um barulho curto, repetitivo e enervante. Me sentava à mesa, construída colada ao vidro escuro, que ocupava todo um lado da sala e esperava que algo aparecesse no vidro. De olhos atentos, anotava em meu pequeno livreto de couro:

"Comportamento áudio-induzido, ausência de consciência, memória latente, hipocampo hiperativo, elevado número de sinapses cerebrais e conexão entre os dois polos"

Esperava ainda mais observações a respeito da coisa atrás da vidraça, ela havia acalmado. Mas porque se acalmava? Não era para isso acontecer! Eu havia errado algo...mas não, não podia, já havia refeito todos os cálculos, todas as equações acabavam no mesmo resultado: 55
E foi exatamente essa a dose, esse o tempo, todos os experimentos giravam ao redor deste misterioso resultado: cinquenta e cinco.

Era como um zombaria matemática, pois não importava quantos experimentos realizasse, eles sempre falhavam, não importava quantas vezes refizesse a equação, ela sempre dava a mesma coisa, cinquenta e cinco

-Senhor Gray! Chamou uma voz

-Entre, mas não deixe luz entrar. -Respondi lentamente, seco, baixo, com olhar ainda fixo no vidro escuro

-Já é noite, senhor!

-Não deixe a luz entrar-Reiterei. Entrou um homem baixo, um metro e cinquenta, de corpo fraco, talvez dez ou vinte por cento de massa muscular, cabelo crespo por conta da saturação de proteínas e pele de um marrom borrado, que não costumava ver o Sol. Depois que entrou, não retirei os olhos do vidro, precisava ficar atento ao que poderia fazer, pois cada dado era importante. O homem fechou a porta

-É...posso...passar o relatório? -Ele perguntou com longas pausas entre as duas primeiras palavras, ele havia pigarreado levemente antes de falar. O via no reflexo do vidro, em seu jaleco havia uma amostra de pó cinzento, levemente vermelho de uma chama que aos poucos desvanecia

-Hmm -Fiz sinal positivo com a cabeça, sem mexer mais do que fosse necessário

-Er...hoje as crianças passaram o dia bem, a...a eficácia dos experimentos foi de 0.4 para 0.2 por cento...a carga de novos equipamentos chega da Carimânia daqui seis dias, o Oásis têm subido nas pesquisas locais de suas bandas...e...e...acho que é só, além de que...três cientistas vi...vieram a óbito nas últimas doze horas

-Tudo bem...por que estava fumando? -Perguntei, a pele do homem se arrepiou e ele levantou os cantos da boca numa expressão mostrando os dentes, sorrindo

-Eu? Não, não estava não, senhor! Este pozinho é somente do carvão do incinerador, tive que passar lá para depositar...eles

-Gás. O incinerador é à gás.

-Foi...somente um contratempo. Uma pausa. -Ainda olhava a escuridão sólida por detrás do vidro

-Conseguiram captar alguma informação da Silhueta?

-Er...não senhor -Ele falava rápido- Ainda não temos notícia dos Dedos pontificiais, os sinos...eles tocaram mas...o outro senhor ainda não veio com...

Um barulho estridente preencheu o ar de repente, como se mil sinos tocassem ao mesmo tempo, ecoando do alto de um campanário distante e se projetando como um aríete nos tímpanos. Ele estava aqui. O homem gritou e correu para longe, deixando para trás um pouco de sangue vindo de suas orelhas. Percebia que as minhas também sangravam depois que as acariciei, o sangue na palma de minha mão refletia meu rosto.

Réquiem: Aos velhos temposOnde histórias criam vida. Descubra agora