Abro meus olhos preguiçosamente, ainda me acostumando com a claridade que entra pela janela do meu quarto. Olho para o lado da cama, e meu inimigo matinal grita feito um louco, anunciando que já é hora de me levantar.
Tentando não me mexer muito, levanto meus braços na direção da cabeceira e pego meu celular na mão, encarando o grande 5:45 na tela. Nessa mesma hora, eu acabo me perguntando: Será que tenho mesmo que ir trabalhar? Afinal, hoje é o ultimo dia de aula das crianças e talvez ninguém note a minha falta lá, aturei aquelas crianças perturbadas o ano inteiro, só um diazinho não vai fazer muita diferença. Infelizmente, essa ideia passa tão rápido quando surgiu e meu sub consciente me dá um forte tapa no meio da cara dizendo: Levanta esse traseiro preguiçoso daí, hoje é o ultimo dia de aula deles e você provavelmente vai sentir falta daqueles pestinhas. Amanha já é a festa de despedida dos funcionários e logo depois vem as férias. Vou ter um longo período para descansar, então, nem pensar em faltar hoje!
Reviro meus olhos para mim mesmo, e me sinto vencida.
Desligo o despertador escandaloso, me estico na cama e vou me levantando devagar.
Estou morando sozinha a apenas um mês e meio, desde que me separei do Bruno. Ainda estou me adaptando a solidão dessa casa, e a ter que tomar café sozinha na mesa. Isso é o que me deixa mais triste, então eu sempre prefiro levar meu café para tomar na escola.
Coloco meus dois pães na chapa com queijo e presunto, mesmo sabendo que só irei comer um. Vou no armário da cozinha, pego um pote pequeno para colocá-los dentro e começo a me arrumar logo depois.
Jogo uma água no corpo, escovo meus dentes, faço um coque no cabelo e pra mim isso já está ótimo.
Procuro minha bolsa, coloco tudo o que vou precisar e quando olho pro relógio novamente já são 6:30. Pego minhas chaves penduradas na parede do lado das janelas e abro a porta da sala. Calço minhas sandálias na varanda e desço as escadas quase correndo.
Eu moro de aluguel em um quintal com duas casas. A minha e a da Mariane. Mariane é uma vizinha que acabou se tornando uma grande amiga pra mim, ainda mais quando descobrimos que nossos maridos estavam saindo juntos para nos trair. Nós colocamos eles para fora de casa e depois sofremos juntas, uma consolando a outra, uma chorando no colo da outra, mas sem deixar a outra ter recaídas. Ela mora na casa de baixo, e sempre que estou saindo para trabalhar, a gente acaba se encontrando no quintal. Porém não hoje, ela já tinha me falado que iria sair mais cedo, pois tinha umas coisas para resolver no centro da cidade, e não iria me da carona para o trabalho.
Resmungo com a lembrança de ter que ir a pé daqui até a escola.
Meu trabalho não é muito longe de casa, mas também não é tão perto assim, e por isso eu vou caminhar bastante pra chegar até lá.
Coloco as chaves no portão e saio na rua.
A essa hora a rua ainda está quase deserta, exceto por algumas pessoas que assim como eu, estão indo buscar seu pão de cada dia.
...Chego no trabalho bufando, parece que andei uns 200 quilômetros pra chegar até aqui.
- Bom dia Mel, veio andando hoje é?.- pergunta o senhor José, sorrindo da minha cara. Ele é o simpático porteiro da escola.
- Bom dia senhor José, infelizmente hoje eu não tive carona.- faço beicinho o encarando e ele cai na gargalhada me dando passagem pelo portão.
Entro na escola e ainda não chegou nenhum aluno. Vou caminhando corredor a dentro e chego na cantina, onde as inspetoras estão organizando o dejejum das crianças nas mesas enormes do refeitório.
Eu trabalho em uma escola municipal, então a maioria das crianças que a frequentam são crianças carentes, e a prefeitura acaba dando duas refeições durante o horário escolar, pois muitas delas não tem nem o que comer em casa.
- Bom dia, bom dia.- comprimento todas e elas me respondem em um coro. Eu sorrio para elas e vou direto para a sala de leitura, onde eu geralmente fico quando minha aluna não vem.
- Ai bom dia, estou morrendo de sono, quase que não venho hoje.- já entro na sala reclamando e me jogo no sofazinho das crianças.
Jaqueline, a professora da sala de leitura, me encara divertida como sempre, arrumando sua mesa para a chegada dos pequenos mais tarde.
- Bom dia Mellany, tudo bom? – ela ri da minha cara e eu reviro os olhos. - Se anima mulher, hoje é o ultimo dia, e admite que você vai sentir falta desses pestinhas._ ela diz com um pequeno sorriso nos lábios.
- Foi só por isso que eu não fiquei na minha cama hoje Jaqueline.- respondo ainda desanimada e ela sorrir ainda mais, sentando de frente pra mim.
- Animada pra festa de amanha?.- ela me pergunta se balançando na cadeira giratória dela.
- Ainda não, mas vou ficar já já, até por que eu tenho que fazer valer apena os 50 reais que paguei.- ela cai na gargalhada e eu vou junto com ela.
- Há é né, fora o dinheiro da cerveja.- ela me lembra e eu concordo balançando a cabeça.
- Pois é.- nós ficamos conversando coisas aleatórias até o sinal tocar.
- Vou lá ver se a minha filha veio hoje.- eu falo me levantando da cadeira e indo até o refeitório novamente.
Eu não sou exatamente uma professora, eu não estudei para isso, eu apenas fiz uma inscrição na prefeitura e consegui o cargo de estimuladora. Quando cheguei na escola que eu fui nomeada, eles deram para mim e para outras meninas da área, um tipo de treinamento para trabalhar com crianças especiais. Depois disso, cada uma de nos ficamos responsável por um aluno PCD. Os alunos que geralmente tem alguma deficiência, seja ela mental, física ou motora.
Chego no refeitório e ele já esta cheio de crianças, o som dos adolescentes conversando e rindo alto deve esta indo até na esquina. É impressionante como eles não conseguem falar baixo.
Varro meus olhos por todo o lugar e no cantinho do refeitório, quase encolhida na parede, vejo a minha aluna. O nome dela é Fernanda, ela tem 19 anos, porém, na cabeça dela, ela tem apenas 10. A Fernanda tem autismo e também tem deficiente mental, ela as vezes chega toda feliz, pulando toda serelepe e outras vezes ela chega igual um bicho do mato, como se fosse a primeira vez que ela entrou aqui na escola. E hoje, pelo que estou vendo ali, é o bichinho do mato que chegou.
Vou andando até chegar mais perto dela e ela quase se funde a parede, como se tivesse com medo de mim.
- Oi Fernanda, bom dia, como você está hoje?.- pergunto calmamente, já sabendo que ela está de péssimo humor. Ela nem me responde.- Hoje é o nosso ultimo dia juntas, o que você quer fazer?.- pergunto a olhando dentro de olhos, para ele ver que eu não represento perigo algum para ela.
- Nada.- ela me responde e o som da sua voz, sai quase imperceptível para mim.
- Tudo bem, você quer ir para a sala de leitura pra sair desse tumulto?.- pergunto um pouco mais perto dela, pra mim poder ouvir a resposta, mas nem é preciso, ela só balança a cabeça estendendo as mãos para mim, e eu vou guiando ela até sala de leitura.
Os dia que ela não está muito bem eu prefiro não ir para a sala com ela, os alunos da turma dela são tudo adolescentes de 15, 16 e 17 anos, eles estão tudo com os hormônios a flor da pele e são muito bagunceiros. Fernanda nos dias de bicho do mato é muito chorona e só de você olha para ela é motivo pra abri o berreiro.
Entro na sala de leitura com ela, e a Jaqueline já sabe que hoje quem veio é o bichinho do mato.
- Bom dia Fernanda, já estava sentindo sua falta.- ela diz assim que nos ver entrando pela porta.
- Hoje nos vamos ficar por aqui mesmo, né Fernanda? Não estamos muito a fim de aturar aquele povo barulhento.- faço careta pra ela e ela ri de mim. Eu já sei como trazer a Fernanda serelepe de volta.- Vou pega alguns jogos pra gente brinca, até porque, você está me devendo uma revanche né mocinha, você ganhou todas da última vez.- dessa vez o sorriso dela foi ainda maior, deu pra ver o seu humor melhorar um pouco em seus olhos.
...
No final da aula a Fernanda serelepe já estava de volta, ela me ganhou no jogo das palavras, um jogo educativo que ajuda no desenvolvimento da criança. É logico que eu deixei ela ganhar, mas é tão bom ver o sorriso todo orgulhoso dela quando eu falo que não sei a palavra, e ela responde no meu lugar.
- Viu, te ganhei de novo.- ela diz zombando da minha cara.
- Você não tem nem vergonha de debochar da cara da sua professora né Fernanda?.- estreito meus olhos para ela com falsa advertência e ela gargalha com a mão na boca.
...
O sinal toca avisando que está na hora da despedida, e nos funcionários preparamos uma surpresa para todos os alunos, cada um de nos doou um dinheirinho para fazer uma festinha pra eles. Compramos doces, bolo, brinquedos, lembrancinhas e enfeitamos a escola toda para nos despedimos deles.
É muito cansativo e estressante trabalhar com pré-adolecentes e adolescentes, não é nada fácil, eles tem o temperamento difícil demais, sempre inventam uma moda nova pra tira a gente do sério, toda semana uma brincadeira idi0ta diferente, sem conta nos engraçadinhos que cisma que já são maiores de idade e ficam querendo dá em cima da gente. Porém, é muito gratificante ver eles melhorando dia a pois dia, ver a evolução no caráter e nos estudos, e ver o carinho que eles criam pela gente. Confesso que tem dia que eu quero da com o livro na cabeça de um, mas eu vou sentir falta dessa bagunça.
Eles ficam radiantes com a festinha e devoram tudo que veem pela frente.
Colocamos as lembrancinhas nos saquinhos e eles fazem uma fila para cada um ir pegando o seu e depois vão saindo para encontra os pais no portão da escola.
Eu me disperso da minha filha quase chorando e a entrego para mãe dela no portão da escola.
...
- Quero agradecer a todos vocês por esse ano letivo maravilhoso de altos e baixos, porém, de muita comunhão entre a equipe.- a nossa diretora Denise começa seu discurso, quando todos os alunos já saíram da escola.- Sei que não é fácil lidar com adolescente, eles são temperamentais, levam tudo a flor da pele, e as vezes nos já estamos passando por algum problema particular e acabamos nos estressando mais ainda com eles, não é mesmo? – ela diz e a gente se olha rindo, cada um tendo alguma lembrança do que passaram esse ano aqui na escola.- Mas vocês souberam lidar muito bem com tudo isso com excelência, por isso eu lhes dou os parabéns, e também agradeço por ajudar a nós diretores a fazer essa festa linda para os nossos alunos, e com isso eu digo a vocês. NÓS CONSEGUIMOS MEU POVO.- todos nós começamos a aplaudir e assobiar ao mesmo tempo.
Esse grito dela no final é referente a sempre ser um estresse fazer festa para eles, pois a gente sempre fica com medo de não conseguir controlar todos os alunos ao mesmo tempo, e no final de cada festa que inventamos, a gente falava nos conseguimos.
Nossa, agora está começando a cair a ficha, vou sentir mesmo a falta dos meus pestinhas.
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O Siciliano
ActionMel é uma jovem, que sonha em construir um futuro brilhante. Ela tenta amargamente se recuperar de uma separação recente, e acaba conhecendo Antony no meio disso tudo. Antony é um filho de sicilianos, bilionário e sedutor. Antony, acaba virando a...