[Único]

109 13 18
                                    







A chuva tinha um cheiro de sal, mesmo que a cidade ficasse cerca de duas horas e meia distante da praia. O dia estivera nublado desde o amanhecer, assim como o resto da semana, mas de certa forma aquilo não desanimava Jian Yi.
As ruas estavam desertas às cinco da manhã, alguns poucos carros iam e vinham, mas a chuva deixou as motos, bicicletas e pedestres de lado. Bom, exceto pelo garoto de cabelos brancos, agora encharcados.
Ventava forte, com uma chuva fina e constante, as gotas faziam cócegas em sua pele e a luz azulada do sol que ainda estava por nascer o deixaria com uma aparência mórbida, se não fosse pela expressão de satisfação em seu rosto.

Aquele era seu horário favorito do dia, depois da madrugada que passara acordado cheio de ansiedade, a chuva salgada e os ventos cortantes traziam um conforto estranho, era como perceber que o tempo também sentia raiva e pressa, assim como ele. As gotas eram doloridas por sua rapidez e suas bochechas estavam avermelhadas, queimadas pelo vento forte e gelado. Sua bicicleta pesava contra o vento, sem marcha mesmo em uma planície seria difícil, tudo piorava com a chuva.
Sua casa ficava perto do centro comercial, um apartamento chique e cheio de espaço vazio, ele estava cansado de um lugar tão grande e ao mesmo tempo tão apertado para ele. Seus pensamentos ocupavam espaço de mais.

A rua deserta em que passava sorrindo, completamente molhado, ficava afastada da cidade, um bairro calmo e cheio e senhoras que levavam carrinhos de mercado para as quitandas e as feiras de domingo de manhã.
Cruzou cerca de seis faróis vermelhos, sem olhar para os lados ou se importar em abrir os olhos, até porque ele duvidava que conseguiria.
Os sons da água escorrendo e da corrente de sua bicicleta denunciavam que ele estava próximo a uma descida. Assim que abriu os olhos, em um relance, já os fechou de novo, perdendo o controle da bicicleta.

- Filho da puta! O que caralhos você estava pensando?? Aprendeu ontem a andar nessa porra por acaso?

Era impossível não reconhecer a voz do garoto que mais gritava aos ventos em sua escola. Seu último ano foi conturbado, e agora que não havia mais um "até ano que vem" o esperando na portaria, difícil não ficar curiosamente nostálgico.

- Desculpe, você tá bem? - Ele tentou ajudar o garoto a se levantar, mas tudo que teve como resposta foi um tapa na mão estendida e uma encarada feia. Pelo visto estava cedo de mais para brigar com qualquer um.

- Pequeno Mo! Eu vi o acidente da janela! Tá tudo bem? Vou te fazer carinho quando entrarmos.

- Sai de mim! Não encosta!!

- Huum... - A atenção do mais alto se voltou a Jian Yi, que encarava a cena descaradamente, esquecendo por um momento o que estava fazendo ali. Também não é como se ele tivesse o que lembrar, o objetivo era não fazer nada de fato.

- Ruivo? Tian? Olha a hora pelo amor de Deus!

Da casa a esquerda, saía um garoto com os cabelos castanho claro e pele branca amarelada, como se tivesse perdendo aos poucos o que um dia foi um bronzeado. Seus olhos eram bem fechados e sérios, assim como sua expressão, parecia preocupado, ainda que sua voz transmitisse raiva.

Os três estavam de pijama, com cara de sono e cabelos bagunçados, agora molhados, analisando a situação, o deslocado ali era ele, mais uma vez.

- Desculpe, eu quase o atropelei com a bicicleta, mas ele apenas tropeçou, eu deveria ter prestado mais atenção. - Ele não sentia culpa de fato, vendo como o garoto foi grosso consigo, mesmo que ele tivesse se machucado ao desviar e cair abruptamente.

- Você era da escola, não era? - O tal "Tian" perguntou, com um rosto de desagrado e curiosidade mistos.

- Sim...

Chuva SalgadaOnde histórias criam vida. Descubra agora