Uma metade morta

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Atravessamos a pequena ponte que ligava a nossa casa ao outro lado. Em baixo havia uma água cristalina, de onde meu pai tirava para o consumo e outros afazeres.
Depois de pouquíssimos passos, chegamos em casa.
    - Está com fome querida? Vi que você não comeu nada.
    - Não, pai. Me sinto cheia.
Eu me sentia cheia, mas não sabia do que. Não tinha comido nada o dia todo.
    - Cheia de ar? - Sussurrou ele.
    - Talvez. Resmunguei .
    - Ta bom filha. Deixe-me contar uma história.
Vivemos aqui, longe do mundo, por um único motivo... O mundo está infestado de dor, sofrimento e muito sangue. Aqui, estamos a salvo por hora, já que é protegido pela cerca de flores. Tudo que você precisa saber, é, que você deve ficar aqui dentro, mesmo depois da minha morte.
Eu fiquei paralisada com aquilo, me senti sozinha por um instante, longe de tudo e no fundo de um poço escuro e estreito. Não conseguia imaginar como viveria a minha vida ali, sem meu pai, sozinha, aquela ideia me assombrava. Eu estava no lugar mais distante do mundo.
    - Hope? Acorda, Hope, acorda querida.
Então eu voltei ao meu mundo, e senti o abraço do meu pai. Ele me amava mais que tudo na vida, e sempre chorava quando aquilo acontecia. Ele dizia que eu era a única pessoa no mundo que havia conseguido viver tanto tempo com o Shortt.
    - Pai? Como assim estamos salvos aqui? Salvos do que exatamente?
    -  Salvos do mundo, querida. Ele está podre e infectado daquelas coisas.
    - Que coisas? Você nunca me disse nada, me escondeu tudo isso, por que? Eu tenho 16 anos, pai.
    - Foi pra te proteger, esperei o momento certo para contar, percebe? Querida.
    - Como eu poderia estar protegida sem saber absolutamente de nada? Você me colocou em risco. Que pai mente tanto assim?
    - Você não tem filhos, não entenderia... Eu não tenho tanto tempo, então preste atenção! Tudo que precisa está aqui dentro, no porão tem comida enlatada pra um século, só não exagera. Tem a luz solar, seus brinquedos, os filmes... Tudo aqui!
Ele não sabia, mas eu nem brincava mais com aqueles brinquedos. Fiquei nervosa com o que meu pai estava dizendo, sobre não ter muito tempo.
    - Como assim você não tem tanto tempo? Pai? Você não está pensando em me deixar, né?
    - Eu nunca deixaria minha filhinha, eu sempre estarei aqui cuidando de você. Eu só quero te falar que.
Ele foi interrompido com o silêncio de seus próprios lábios, sua vida esvaindo de seus olhos...
Eu estava certa que havia sido cortado a linha tênue entre a vida e a morte, e ele já não fazia mais parte desse mundo. Senti uma forte pressão sobre meu peito, uma falta de ar, boca seca, um aperto em meu coração, uma dor no fundo dos meus olhos. Então era assim que eu me sentia, em ver meu querido pai partir. Eu estava tomada pela escuridão, sentia um tenebroso vazio dentro de mim, como se tivesse sendo consumida de dentro para fora. O que eu faria sem o meu pai? O desejo pela vida já não existia mais...

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