Capítulo 1

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EDA

Observo atentamente o fogo trepidar na lareira moderna que nada lembra aquelas feitas em alvenaria. Por ter nascido e crescido no Rio de Janeiro nunca em minha vida imaginei que teria uma.  Mas agora, vivendo aqui na Turquia, passava a ser quase comum encontrar em cada casa. Aproveito a temperatura agradável proporcionada pelo calor dela e me permito relaxar. Nunca em minha vida estive tão em paz.

Pego a taça de vinho tinto que repousa na mesa ao lado da espreguiçadeira e dou um gole. O sabor era maravilhoso!  Aproveito para fazer uma análise da minha vida nos últimos meses e percebo que realmente  estou feliz, e que só estive assim quando o meu pai ainda era vivo.

Uma tristeza me atinge ao recordar o inferno que minha vida se tornou no momento que ele partiu. Meu pai e minha mãe se separaram um pouco antes de eu nascer, e assim que nasci meu pai obteve a minha guarda definitiva. Minha mãe nunca se importou comigo ou se quer ligou para saber como eu estava, mas apesar de toda essa rejeição eu era feliz, pois eu tinha o melhor pai que alguém poderia ter.

Ele era o meu herói e fazia tudo o que estava ao seu alcance para me fazer feliz. Talvez, tentando compensar a falta da minha mãe. Mas, infelizmente ele veio a falecer em um acidente de carro quando eu tinha 9 anos. O pior dia da minha vida.

Na época fiquei quase um mês na guarda provisória de uma vizinha muito próxima enquanto tentavam localizar a minha mãe, e assim que  encontraram minha guarda passou a ser dela. Entrei em pânico no início, pois não a conhecia.

Lembro que o conselho tutelar ficou um ano nos acompanhando para ver como eu me adaptava a nova casa. Durante esse tempo eu fiquei tranquila, minha mãe e o marido dela me tratavam muito bem.

Só que o meu inferno começou quando o conselho tutelar deixou de fazer as visitas. Minha mãe começou a consumir muitas bebidas alcoólicas e drogas na minha frente. Era uma pessoa totalmente diferente do que eu havia conhecido. Ela ignorava totalmente a minha existência, vivendo  apenas no seu mundo rodeada de vícios. 

Mas o pior mesmo foi  ter que conviver com o meu padrasto que começou a se aproximar de mim, a princípio como quem não quer nada, mas aos poucos fazia um carinho aqui, outro ali até que um dia começou a tocar em  minhas partes íntimas.

Eu sabia que era errado, e lembro que uma vez meu pai dizer que ninguém podia me tocar ali, e se fizesse era para contar para ele. O problema é  que meu pai não estava mais ali.

Os toques se tornaram frequentes e ele dizia que era brincadeira e que eu não devia contar para ninguém se não ficaria muito bravo. As coisas pioraram ainda mais quando minha mãe morreu de overdose quando eu tinha 11 anos e minha guarda foi para o meu padrasto, pois eu não tinha mais ninguém da família. Por  algum motivo o consideraram apto e às vezes me perguntava como as pessoas poderiam terem sido tão cegas para não enxergarem o pânico em minha cara por ter que viver com ele. 

Não demorou muito para que as carícias se tornassem penetrações, um tormento sem fim. Foram anos de sofrimento até eu finalmente decidir dar basta aos abusos. Eu estava com 14 anos, quando guardei uma faca embaixo do travesseiro e quando ele veio para cima de mim a enfiei em sua coxa. Ele me deu um tapa na cara e comecei a me defender, só que em poucos segundos  ele foi perdendo as forças e desmaiou.

Eu mesma liguei para os bombeiros e a polícia, e minutos depois eles estavam entrando pela porta de casa com o revólver apontado em minha direção. Foi constatado a morte dele, a faca havia atingido a veia femoral o que levou rapidamente  ao óbito.
Fui encaminhada para delegacia de proteção à criança e adolescente, e após ouvirem o meu depoimento, me levaram para um abrigo onde fiquei até completar 18 anos.

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