1 - parte 2

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Olho em volta, as pessoas me observam com certa pena. A música é alta demais e há seis taças à minhas frente. Ou isso ou estou vendo dobrado. Há alguns homens sozinhos em volta do bar, mas nenhum dos imbecis olha para mim. Observo minha roupa e rio alto, soluçando no meio da risada.

— Um pijama assusta vocês, bundões.

Um homem atraente de cabelos grisalhos e muito charmoso sorri, me sento de novo para virar o sétimo copo, ou o quarto, não saberia dizer, quando ele se aproxima.

— Achei seu pijama sexy.

Ele está mentindo, é um pijama de flanela horroroso que foi escolhido pelo babaca que me deu o pé na bunda às vésperas do casamento. Mas finjo não ter percebido sua mentira e tento sorrir para flertar com ele, porém ao invés disso estou chorando.

— Qual o problema?

— Está doendo.

— Onde? Você se machucou? — pergunta preocupado.

— A minha alma! Levei um pé na bunda. Meu casamento seria em trinta dias. Estou tendo que cancelar tudo sozinha e ainda nem entendi o que eu fiz de errado. Porque eu fiz alguma coisa. Ninguém deixa a pessoa com quem planejou dividir a vida por nada. Mas eu não consigo entender. Eu não chegava atrasada, não usava roupas muito coloridas, estavam todas sempre bem passadas. Larguei os programas de futilidade e os livros eróticos. Minhas redes sociais são de casal e dei todas as minhas senhas para ele, então por que ele me deixou?

O homem me encara perplexo. Dá dois tapas nos meus ombros, desajeitado.

— Me vê um uísque, do mais forte.

Me sinto confusa até perceber que ele está falando com o barman, ele pega o copo, estende diante de mim me cumprimentando e some entre as pessoas.

— Babaca! Ei! Barman! Bartender! Garçom! Não sei como caralho devo te chamar. — Ele se aproxima rindo e me estende o oitavo copo, ou o quinto, quem liga?

— Você já não bebeu demais? — pergunta em tom de provocação.

— Quem é que está contando? Eu, hein! Vai cuidar da sua vida!

Ele se afasta rindo e percebo que mais pessoas estão rindo. Sim, estão rindo de mim, mas não posso reclamar, afinal são legais o suficiente para bancar todas as minhas próximas rodadas. Em certo ponto da noite nem dói mais, porque não sei nem mesmo quem sou.


Tenho a impressão que vomito antes mesmo de acordar. Minha cama parece um chiqueiro, minha cabeça dói e acredito que não tenha mais estômago. Nunca fui de beber, nem mesmo de maneira social. Foi Otto quem me ensinou a beber socialmente. Enquanto observo meu rosto derrotado no espelho do banheiro posso ouvir sua voz alta e clara:

— Nunca beba além da cortesia, lindinha. Não pega bem uma mulher beberrona.

— Não pega bem... não pega bem, o caralho... babaca! Babaca!

A porta do banheiro é aberta e uma Olivia perfeitamente alinhada me flagra mostrando o dedo do meio para meu próprio reflexo no espelho.

— Ah, Bruna, às vezes é tão difícil fingir que você é normal!

Reviro os olhos, mas isso dói e tenho uma das piores manhãs da minha vida colocando para fora todo o álcool que ingeri ontem. E isso nem é o que está doendo mais.


Ao final da tarde, depois de estranhos limparem a bagunça do meu apartamento. Estranhos contratados por Olivia, ela foi embora e me deixou sozinha com a promessa de que nunca mais na vida vou beber assim. Ela não entende, ela só vê o projeto de Bruna destruída pós bebedeira, mas não viu a Bruna feliz que nem sabia seu próprio nome e que não estava sofrendo por um idiota. Ela não percebe que beber, na verdade, me ajudou. Foi uma troca justa. Mesmo porque Olivia é rica, pode pagar vários estranhos para limparem meu apartamento por mim. Estou de luto, é isso o que amigas fazem.

Meu telefone toca uma música clássica que sequer sei qual é, só estava aqui para agradar o digníssimo sr. Meu ouvido não é penico.

— Alô.

— Falo com Bruna Vidal? Desculpe ligar em um domingo, eu falo da Rousseau Eventos. Você e seu noivo nos procuraram seis meses atrás em busca de uma data.

— Ah, sim, isso mesmo! Sou eu, Bruna!

A Rousseau é uma empresa de buffet e eventos e é a única no país que reserva datas para casamentos no Castelo Nas Nuvens, ele é exatamente o que o nome diz e é o lugar mais disputado do estado para casamentos. As vagas são agendadas com anos de antecedência.

— Tivemos uma desistência em nossa agenda, agora temos uma vaga disponível em oito meses. Seu noivo havia deixado seu telefone e um cheque para o caso de haver uma desistência, queria confirmar a data para vocês.

Abro a boca para dizer que esse imbecil está agora só Deus sabe onde e não me levou junto, mas lembro das fotos e vídeos que vi desse lugar. Ele fica no alto de um bairro nobre da cidade, entre montanhas, é um pequeno e maravilhoso castelo com um salão para recepção, pista de dança e cozinha. As cerimônias são feitas ao ar livre, no meio das montanhas, em frente a um lago artificial cristalino e iluminado, e de pano de fundo, toda a cidade de Belo Horizonte. É um local de contos de fadas. Eu morreria só para pisar lá um dia.

— Pode confirmar — me pego dizendo.

— Ótimo. Vocês tiveram muita sorte! Em seis anos que trabalho aqui esta é apenas a terceira desistência, deve ser um sinal do destino de que serão imensamente felizes.

— É, pois é, só para confirmar, você disse que ele deixou o cheque como calção reserva, certo?

— Isso, iremos descontar no próximo dia útil para garantir a data para vocês.

— Ótimo! Podem descontar. Muito obrigada.

Encerro a ligação já me levantando em direção ao banheiro.

— Não vou me casar no lugar dos meus sonhos? Não vou. Mas você, Otto babaca D'Ávila, vai pagar por ele.

Me olho no espelho e uma risada de bruxa me escapa quando percebo como sou má.

DEGUSTAÇÃO - O irmão ERRADOOnde histórias criam vida. Descubra agora