Já é dia lá fora e estou fazendo o almoço quando ela finalmente acorda. Cada passo parece explodir uma mina em sua cabeça, devido suas caretas e gemidos. Ela estaca quando me vê na cozinha. Para onde está com a mão na cabeça e uma expressão confusa.
— Eu sei, pareço um sonho, mas não sou um — brinco pegando um Engov e um copo de água e estendo a ela. — Vai ajudar com sua ressaca.
Ela os toma da minha mão e bebe e então finalmente conheço um pouco da Bruna que Otto descreveu. De cabeça baixa, ela observa minha roupa em seu corpo com uma expressão de culpa.
— Eu te empresto a minha roupa, aliás.
Ela sorri timidamente. Se senta em frente a ilha onde cozinho e mantém a cabeça baixa.
— Quando você chegou aqui? Como entrou? — pergunta.
A observo de lado e deixo a espátula para prestar atenção nela. Meu gesto parece incomodá-la.
— Do quanto você se lembra de ontem à noite?
Ela parece pensar.
— Nada.
— Hum... não se lembra, não é? — Ela nega com a cabeça e faz uma careta pela dor. — Engraçado, porque agora você parece saber que não sou o Otto.
— Antes eu não parecia saber? — pergunta, fingindo inocência.
— Ou não sabia, ou tem o costume de agredir e beijar qualquer desconhecido que encontre em seu apartamento.
Volto aos ovos pochê e ela tem uma careta engraçada.
— Você não pode brigar com alguém de ressaca. A minha cabeça vai explodir de dentro para fora.
— Não entendo como uma explosão poderia começar de fora. E não vou brigar com você, sou acostumado a lidar com mulheres como você.
— Defina mulheres como eu.
Sinto o tom de desafio em sua voz.
— Que se perdem na bebida por causa de um homem. São fracas vocês, como se precisassem de mais alguém para se manterem sóbrias, sei lá...
Uma maçã de cera me acerta em cheio na testa de repente.
— Ei!
— Como você entrou na minha casa? Por que está cozinhando como se morasse aqui? Aliás, por que suas roupas estão aqui?
— Otto não falou sobre isso com você? Ele disse que tinha avisado.
Ela se levanta e some para dentro de seu quarto, pouco depois retorna com o celular na mão e exibe a tela bem diante dos meus olhos.
— O seu irmão adulto e maduro me comunicou da sua mudança por mensagem de texto! O que ele estava pensando? Que eu ia invadir a parte dele do apartamento? Que eu ia vender o espaço todo e fugir com o dinheiro? Você sabe que está aqui como um cão de guarda dele, não sabe?
— É mesmo? O que estou guardando? — pergunto, mas me incomoda que Otto não tenha tido uma conversa clara com ela sobre mandar um estranho para viver sob o mesmo teto que ela.
— O rabo dele. É o que você está guardando. O que está cozinhando aí?
Ela volta a se sentar e parece destruída. Não como de manhã, quando vomitava no banheiro, ela parece destruída por dentro. Parece ferida de uma maneira tão profunda que a dor pode ser vista em seus olhos vazios.
— Sinto muito por ele não ter avisado a você. Mas é isso, meu irmão é um babaca. Você namorou com ele por meses, já deve saber disso.
— Nós namoramos por mais de dois anos. Ele terminou comigo faltando trinta dias para o casamento e foi viajar. Agora não me atende, não me liga, só me manda essas mensagens dando ordens e indiretamente colocando a culpa em mim. Então acredite, eu sei melhor do que ninguém que ele é um babaca.
— Espera, disse que iam se casar em um mês?
Ela assente, mas tenho certeza que isso não é verdade. Ela parece perceber a desconfiança em meu olhar, já que vai até a sala e retorna com um convite de casamento em mãos. Nesse papel creme, escrito em letras douradas, há um convite a um matrimônio entre Bruna Vidal e Otto D'Avila, daqui três semanas. Que merda Otto pensou que estava fazendo?
— Otto contou a você que tinha um irmão?
Ela assente, sentando-se de novo.
— Não que eram gêmeos, claro. Disse que tinha um irmão irresponsável, preguiçoso e irritante, que vive num chiqueiro e trabalha num putei... — ela para de falar e me observa sem graça. — Disse que vocês não se davam bem.
— Ele me vê de uma maneira bem melhor do que o vejo, na verdade — comento com um sorriso e ela parece relaxar. — Não somos próximos. Mas Otto não contou a ninguém da família que estava noivo. Ele não convidou ninguém para o casamento, e pelo que conheço do meu irmão, ele nunca faria nada sem a bênção do nosso pai.
— O que quer dizer com isso?
— Ele não pretendia mesmo se casar com você.
Ela sorri incrédula, então percebe que estou falando sério e seus olhos enchem. No momento em que eu vir meu irmão, vou fazer questão de acertar um soco naquela cara pelo que está fazendo com ela.
— Ou talvez fosse surpreender a família, quem sabe? — tento amenizar, mas ela se levanta dizendo não estar com fome e volta para o quarto.
Passa o resto do dia todo lá. E pela sala há vários convites de casamento, em uma caixa grande há cartões de banda, buffet, confeitaria, decoração, alguns estão em pedaços, mas ela não estava mentindo, eles iam mesmo se casar. O que Otto estava pensando? Vou para o quarto e ligo para ele.
— Que merda estava pensando? Você ia se casar com ela? E não convidou ninguém da família? Que porra é essa, Otto?
— Se acalma! Não é o que parece.
— Então o que é? Você nunca pretendeu se casar com ela, não é? Deixou isso ir longe demais!
— Eu a amo. Eu ia me casar com ela, eu queria ter filhos com ela e passar o resto da minha vida com ela. Eu a pedi em casamento e isso foi meticulosamente planejado. Nós compramos um apartamento juntos! O mobilamos juntos. Acha mesmo que eu iria tão longe por uma farsa?
— Se você a ama por que a está destruindo?
— Não exagere! Bruna não é assim, ela faz seus dramas quando está chateada, mas quase nada nesse mundo a chateia de verdade, isso já vai passar. Foi só o susto por você estar aí.
— Acho que você não está falando da mesma Bruna que encontrei aqui. — Paro de falar porque não serei eu a dizer que ela tem bebido por causa dele. — Enfim, você não foi viajar sem levar sua namorada, você terminou com ela às vésperas do casamento. E ainda diz que a ama.
— E amo. Nem sempre os planos são perfeitos. Eu a pedi em casamento e deixamos tudo pronto como queríamos, mas de uns meses para cá, com a data se aproximando, eu comecei a repensar. Não tinha mais certeza se é a hora certa, se devo dar esse passo justo quando estamos abrindo uma filial em outro estado. Minha cabeça estava a mil, de repente não tive mais tanta certeza do que queria. Eu sei que a amo. Sei que é com ela que vou me casar um dia, eu só preciso de um tempo. Não estamos cancelando o casamento, estamos adiando.
— E você decidiu o relacionamento de vocês sozinho, porque ela não parece saber disso. Enfim, não é da minha conta.
— Você só está aí para convencê-la a me vender sua parte do apartamento. Faça isso e deixo você em paz, irmãozinho. Faça isso e como prometido, darei a você a minha parte no seu puteiro.
Encerro a ligação porque me irrita a maneira como ele fala do negócio que construí do zero. Do meu negócio. Ele entrou com um investimento gigante quando descobriu o que eu planejava, achei estranho que quisesse ser meu sócio em algo que ele considera sujo, mas agora vejo que teve um motivo. Foi apenas uma corda amarrada em volta do meu pescoço para que ele pudesse puxar quando necessário. Esse é o Otto que conheço.
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DEGUSTAÇÃO - O irmão ERRADO
RomanceAPENAS ALGUNS CAPÍTULOS PARA DEGUSTAÇÃO. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. PROIBIDO ADAPTAÇÕES. Bruna está prestes a se casar, porém, às vésperas do casamento, Otto, seu noivo, decide cancelar tudo para curtir uma viagem pelo mundo sozinho. Destruída e...