Capítulo único

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Definitivamente não, não queria sair dali.

A luz solar ainda se mostrava tímida enquanto transpassava lentamente o tecido das cortinas.

Julgando pelos tons instaurados nos norens*, o dia seria quente...

O que significava que teria muito trabalho na Mansão Borboleta.

Lavar e estender roupas...

Preparar as refeições...

Limpar cômodos...

Talvez estudar novas substâncias medicinais...

Um dia...Comum.

Honestamente, seus trabalhos domésticos pareciam muito desinteressantes em comparação ao conforto que quatro paredes lhe proporcionavam, além, é claro, da presença adormecida impossível de ser ignorada ao seu lado, no futon.

Os lençóis delicados e perfumados cobriam até a metade do abdômen definido sempre desprovido de vestimentas.

Por vezes, Aoi duvidava que ele estivesse mesmo ali, uma companhia marcante, forte, inabalável e quase indestrutível. Ela o via assim, mesmo sangrando ou com a derrota batendo na porta Inosuke nunca abaixava a cabeça.

Quem diria...

"O javali maluco ladrão de comida"

Ergueu a mão e tocou os fios desgrenhados do rapaz, a maciez era quase assustadora, as pontas tingidas de um profundo azul, fazendo quase uma alusão aos olhos dela. Passou a ponta dos dedos na franja indomável que despencava sobre o rosto masculino...

Os detalhes de sua face...

Detalhes delicados, proporcionais, preciosos e suaves compunham o rosto dele, sendo tão contraditório ao seu corpo bem trabalho e, arriscando dizer, até maltratado.

Mas tudo em Inosuke era uma grande contradição.

Desde sua construção física até a sua personalidade explosiva e irritadiça que escondia, bem no fundo, um garoto necessitado de amigos, de sentimentos e do calor humano.

Ela sabia disso...

Porque ele permitiu...

Assim como ela permitiu que ele descobrisse um lado escondido de seu coração.

Céus, mas as vezes era impossível não ter alguns pensamentos amargos, por diversas vezes viu-se comparando as companheiras de Zenitsu e Tanjirou, não era corajosa como Nezuko e nem uma caçadora habilidosa como Kanao, talvez nem mesmo fosse tão atraente como outras moças comuns que passavam pelo seu caminho em dias de feira.

Então por que?

Sempre subestimou sua existência e por isso sempre tentou ser útil, em todos os sentidos, já que era covarde demais para entrar na linha de frente da caça aos demônios.

Oh, nunca faria o suficiente em comparação aos manejadores de espadas.

Nunca faria o suficiente em comparação a sua mestra Shinobu...

Ou Kanao...

Ou Inosuke...

Apertou os olhos, uma ardência ameaçando surgir atrás deles, buscou limpar a mente daqueles pensamentos tão indesejáveis enquanto vasculhava suas memórias a procura da voz do Hashibira:

"É a coisa mais idiota que já ouvi, uma inútil de coração bom e generoso, uma inútil que sempre faz o impossível pelos outros, uma inútil que ajuda e cura com dedicação e amor... Isso nem faz sentido e até EU sei disso!"

Naquele dia, Aoi havia perdido um de seus pacientes mais queridos e explodiu em lágrimas murmurando sua inutilidade para as paredes de seu quarto, nunca soube quando o rapaz adentrou o cômodo e nem quanto tempo ficou ali, de frente para ela, apenas observando, mas após algum momento em silêncio ele se pronunciou e aquilo fincou raízes na mente da jovem.

Agora, lá estavam eles, os pequenos dedos femininos acariciando, reconhecendo e tocando a pele exposta dele, aproveitando o momento em que poderia tê-lo tão próximo e tão sereno.

Segurou delicadamente uma das mãos masculinas testando a textura, palma calejada,veias salientes e dedos fortes que causavam uma sensação muito prazerosa em contato com o corpo sensível dela.

Subiu o toque e sentiu os músculos definidos que formavam os braços, o calor que proporcionavam era comparável a sensação de segurança de estar entre eles.

Deslizou as unhas levemente pelos ombros e peito desnudo, ainda hesitante para não acordá-lo, podia sentir os batimentos regulares do coração, a rigidez muscular, as cicatrizes de batalha e de diversas lutas irracionais, aquele local irradiava uma temperatura perfeita para aconchega-la nas noites frias.

Acarinhou a extensão do pescoço e chegou novamente no rosto, àquela altura a manhã já estava alta, estava na hora de iniciar o dia, com as duas mãos ao redor do maxilar de curvas suaves o dedão direito escorregou até os lábios rosados e macios em uma brincadeira breve.

Sorriu minimamente antes de unir as bocas com uma delicadeza anormal, começando com um roçar antes de pressioná-las mais fortemente uma na outra, não se surpreendeu quando foi contornada pela cintura lentamente e puxada para mais perto até estar cercada pelo cheiro dele, Inosuke tentava preguiçosamente retribuir o beijo antes mesmo de abrir os olhos pela primeira vez naquele dia, ele despertou mais ao sentir o toque suave de Aoi em sua nuca, e mais ainda ao sentir ela encerrando o contato para sussurrar:

---Hora de acordar, bela adormecida.- Sabia que a moça carregava um sorriso maroto nos lábios.

Ele resmungou maldições enquanto apertava o corpo feminino contra si tentando adiar o inevitável, se outra pessoa tivesse ousado acordá-lo com certeza teria levado um soco no estômago ou, no mínimo, rugidos de ódio, mas com ela era diferente, da última vez que Inosuke levantou demais a voz ficou sem jantar e teve que aguentar calado a decisão da mulher de dormir em outro quarto.

Era um homem grosso, bruto, esquentado e ignorante...

Mas a mulher era pior ainda.

Sentiu quando Aoi forçou o afastamento de suas peles e levantou do leito, o clima pareceu ter esfriado drasticamente. Hesitante, abriu os olhos verdes rapidamente tentando acostumar-se com a claridade do dia...

Os olhos de Inosuke eram um dos detalhes favoritos de Aoi...

As írises verdes reluzentes transbordavam determinação e coragem mas, acima de tudo, a inocência de quem foi recentemente integrado ao mundo dos homens:

---O que?- Questionou acusatório.

Sentiu as bochechas queimarem ao notar que estava encarando-o como uma boba, apanhou o uniforme e retirou-se do quarto não conseguindo perceber o sorriso convencido em sua direção.

Ah, ela nem desconfiava que também tinha seus detalhes analisados bem minunciosamente, a diferença é que o Hashibira não se contentava com apenas observar.

Mas era isso que os representava...

A contemplação e adoração aos traços um do outro...

Os detalhes que instigavam o amor.

Fim.

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Nota da autora:

Noren:Cortinado comum japonês.

Minha primeira One, e ela ficou curtinha demais eu acho. Depois de um longo bloqueio criativo finalmente retornei, estou testando novos modos de escrita e decidi que antes de investir em projetos maiores e mais elaborados vou treinar em fics de capítulo único hehehe.

Decidi começar com esse casal porque ele parece ser meio esquecido pelo fandom, mesmo sendo canon(E eu estava muito inspirada).

Enfim, espero que tenham gostado e desculpem os erros ;)

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