Capítulo XXXVII - Caixa de Pandora

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Ji Min apertava o corpo sem vida de Jung Kook nos braços, enquanto encarava de modo estático, sufocado a imponente figura da Senhora da Fortuna, a flutuar sobre as águas povoadas de estrelas azuis do lago. Sentia-se total e completamente sem chão.

Mulrahee estava em silêncio, pois não havia mais o que ser dito. Ela já lhe contara quais foram as reações que os lordes do Conselho de Guerra de Jung Kook tiveram após a derrota que sofreram em Uktara, contara sobre as consequências que isso traria ao povo da Margem Oeste, sobre o quanto Jung Kook se esforçou para convencê-los a continuarem com os esforços de guerra, sobre a maldição que caiu sobre ele e sobre parte de seu exército — maldição que Yoon Gi só liberou contra eles porque Jung Kook ordenou que o machucassem, tudo porque Ji Min havia cometido o desatino de se usar como isca para atrair a ira dele, tudo por sua causa! —, maldição que os mataria a todos se não fosse quebrada logo, motivo pelo qual haviam retornado à Hworan mais cedo. (Mais cedo, por volta de duas semanas após a Batalha de Uktara; os deuses haviam retornado Ji Min a Park meses antes de Rhali ir buscá-lo no Palácio de Jade, o que significava que havia duas versões dele mesmo naquele mundo àquela altura: um no Leste, dormindo um sono de morte no acampamento das tropas conservadoras, e o outro no Norte, no interior do Templo de Mulrahee, desesperado em face da deusa.) Eles haviam retornado, Jung Kook havia retornado para pedir a ajuda de Ji Min. Ou melhor, de Chin Tae. Mas em vez de encontrar o auxílio que buscava, ele o encontrara à beira da morte naquela fenda, incapaz de ajudar a si mesmo e quem dirá aos outros.

Todas as dificuldades que Jung Kook enfrentara para chegar até ali, o sacrifício que ele se dispôs a fazer pelo seu bem e o último desejo dele, Mulrahee lhe contou tudo.

Era Saigo, o Sagrado Filho feito para salvar todos que ansiassem pela paz e todos que se deixassem tocar por ela. Mesmo assim falhara em salvar seu céu estrelado no passado e agora, pois quando uma pessoa abria mão da própria vida, a alma dela era imediatamente transportada ao Além-Vida, o paraíso onde as almas humanas encontravam paz e descanso, livres das dores e sofrimentos da vida. Transportada sem fazer a Travessia, a peregrinação pelo caminho que ligava o Mundo Mortal e o Mundo de Cima, peregrinação que dava às almas mortas tempo para se desprenderem das pendências e sentimentos negativos que as tivessem seguido para o túmulo, exatamente o estágio pós-morte do qual Ji Min sempre resgatara as almas a que concedia uma segunda chance de viver a vida que perderam. Desistir da vida era um modo simbólico de dizer que se está pronto para deixar tudo para trás e seguir ao próximo mundo — ou seja, que não se precisa de uma segunda chance —, e tanto Ha Gi quanto Jung Kook fizeram isso. Fizeram por causa de Ji Min. Ela porque queria vê-lo, e ele porque queria salvá-lo.

Por sua causa, ambos mortos por sua causa.

Vhalae, a Serpente do Paraíso, detinha total soberania sobre as almas que adentravam o Além-Vida, nem mesmo Dameolin podia ir contra o direito d’Ela, e Ela nunca abria mão de seus súditos, exceto para a reencarnação, ocorrida sempre séculos após as mortes que levavam as almas ao Seu seio.

E Jung Kook já se encontrava para lá dos portões de Seus domínios, já era um dos súditos d’Ela.

Ji Min não poderia salvá-lo, não como um dos obedientes filhos do Mestre da Luz.

Uma lágrima — mais uma de muitas, todas carregadas de dor, culpa, medo, desolação e agonia — despencou e rolou pela bochecha de Ji Min, e ele voltou a olhar para o pouco que restava de Jung Kook em seus braços, nada além de uma ossada seca metida num yungbok azul e branco que exibia as insígnias do Imperador, sequer uma lembrança do homem que ele costumava ser e não era justo, nada do que acontecera com ele desde que decidira ajudar Min Yoon Gi havia sido justo.

Ele não merecia nada daquilo, e ainda assim estava morto.

Eu não hesitei em pular no Abismo de Kud, a boca escancarada do Reino Tortuoso, a cova dos ofensores da Casa de Dameolin pra salvar Yoon Gi hyung. Não hesitaria em desafiar a vontade da Grande Serpente, a Senhora da Morte, Soberana do Além-Vida e irmã gêmea da Grande Mãe por Jung Kook nem vou, pensou Ji Min, resoluto. Me desculpe, Mãe Celeste, mas essa é a minha escolha. Não posso abandoná-lo, não dá…!

Outlander || YoonjikookOnde histórias criam vida. Descubra agora