A cidade fazia barulho, mas tudo estava silencioso. Era um silêncio intenso, mas sempre escuto mais em silêncios assim. Ouvi algo, não vi o quê. Olhei para frente, mas não vi nada. Normalmente é assim, pensei. Olhamos tudo e não vemos nada. Outro barulho, do mesmo lugar. Não me mexi. Surgia alguém. Julguei jovem pela estatura pequena, mas não tão jovem pelos dentes já crescidos que sorriam para mim. Valor na juventude mudou muito. Era um sorriso suave. Suave não, pois estava carregado de dor. Meigo. Nem tanto, pois refletia maturidade precoce. Infantil. Apesar da infância perdida. Puro. Sim, puro. Sorriso de criança que não sabe o futuro, e não se preocupa com ele... até o momento. Ele se aproxima, em preto e branco. A cor foi perdida, percebi no triste brilhar de seus olhos. Ele abre a boca para falar, mas eu o pauso.- Sei de tudo.
Uma lágrima escorrega pela sua bochecha. Seu sorriso sumiu.
- Ainda não sabe de nada.
Então ele me conta. Me conta do sol ardente que enfrentava no trabalho, e dos dentes que haviam crescido. É apenas uma criança. Me conta que nesse dia o calor ficava mais forte, e ele não entendia o porquê. Sentiu algo duro cair em sua cabeça. Agachou para pegar, era uma pedra. Mais pedras começaram a cair do céu. Que chuva esquisita, ele pensou. Era apenas uma criança. Foi para casa. Em momentos de desastres corremos para o que julgamos familiar. Viu fumaça no caminho, alguns gritavam, outros corriam, outros faziam os dois. Apertou o passo. O pai fechava as portas. Não há para onde correr. Correr do quê? Ele perguntava. Ninguém respondia. Não há resposta. Correr do quê? Era apenas uma criança. Ouvia as pedras baterem contra o teto. Até quando o teto aguenta? Sentou-se no chão. A mãe se sentou ao seu lado. Não foi consolado. O pai foi o último a sentar. Um pedaço do teto se desfez, caiu no ombro do pai. Ouve um estalo, um grito de dor. O pai caiu apoiando-se em um cotovelo. O ombro estava fraturado.
- Deitem-se!
O pai disse, gesticulando em tentativa falha de proteção. O menino se comprimiu ao lado da mãe. A mãe fechou os olhos. O teto desabou. Então veio o calor, mas não sentiam mais nada.
- Por que veio aqui?
- Para a minha história poder ser escrita.
Era só uma criança. Uma criança que apareceu no meu sonho.