15. Uma História de Terror.

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Dois anos antes, New York,
subúrbios do Brooklyn. 

Liam havia conseguido uma bolsa de estudos na melhor escola de New York e seus dias eram resumidos a aulas exaustivas para manter suas notas boas. Um bolsista não poderia tirar notas ruins ou estudaria em outro lugar, não naquele colégio caro que lhe renderia uma faculdade maravilhosa. Quando chegou em casa naquele final de tarde, resmungou internamente ao perceber que sua mãe estava em casa. Ela não era uma boa mãe, quiçá uma boa pessoa. Karen Black tinha sido gentil e agradável até o sexto aniversário de Liam, até que ela se viciou em drogas pesadas. Seu pai, um brasileiro que batalhou muito pelo Greencard, sustentava a casa, colocava comida na mesa, pagava as contas e as drogas da esposa. Nicolas Oliveira Black simplesmente não aguentaria perder a esposa amada para a prostituição ou crimes em troca de seus vícios. Ele preferia mantê-la em casa, na esperança que algum dia, ela voltaria a ser a mulher com quem se casou. 

Liam caminhou até o quarto dos pais e viu sua mãe deitada na cama, encarando o teto, sem nenhuma emoção no rosto. O trabalho estava difícil, Liam sabia, então, provavelmente ela estava sem sua heroína há algum tempo. Logo isso se tornaria um problema. Ela surtaria, entraria em pânico, gritando e quebrando coisas até que Nicolas pegasse dinheiro emprestado com o vizinho, Jerry, para aplacar seu vício. 

— Você comeu hoje? — Liam perguntou em sua habitual voz baixa. Ele nunca erguia a voz; sua terapeuta havia dito que era uma forma dele se proteger, tentar se fazer menor e invisível, assim, as pessoas não o veriam tempo o suficiente para machuca-lo. Sua mãe não respondeu; ela nunca respondia. Ela apenas lançava a ele um olhar de desdém e ódio, como se ela odiasse a existência dele. Como se não fosse a porra de sua mãe. — Quer que eu prepare algo? 

Ele não sabia se tinha algo para ser preparado, mas daria um jeito. Se sua mãe quisesse comer, ele até mesmo engoliria seu orgulho e pediria ovos emprestados para Jerry e sua família. 

— Eu irei preparar. — Karen disse se levantando com dificuldade, parecendo prestes a cair a qualquer momento. Ela passou por Liam em passos languidos e pressionou um beijo em sua bochecha. Liam congelou, observando aquele ato como um fodido milagre; o que ele não viu foi a malícia nos olhos da mãe. Ele se confortou com aquela pequena migalha, esperançoso e ingênuo. 

Será que ela voltará ao normal? Será que ela está bem? Liam se perguntava ao seguir sua mãe até a cozinha, um sorriso de menino presente em seus lábios. Ela não cozinhava desde que ele era uma criancinha. Mesmo tendo dezesseis anos, Liam parecia um menino de sete ao seguir a mãe, sorridente, feliz; completamente alheio ao que se passava na cabeça de Karen. 

Há muitos anos, antes mesmo do vício em heroína, Karen havia perdido o amor pelo filho. Ela não o queria desde que descobriu a gravidez; desejava viajar o mundo e conhecer lugares, não morar para sempre em uma casa feia em um bairro fodido. Ela não o queria, mas o teve, afinal, o grande amor de sua vida havia dito que jamais a perdoaria se ela tirasse a criança. Quando Liam nasceu, ela tentou ama-lo, tentou ser uma boa mãe, mas não conseguiu. Em seu aniversário de seis anos, quando ele soprou seis velas sobre um bolo simples, ela soube que a melhor coisa que poderia ter feito por aquela criança seria não tê-la. Mas teve. E ele estava lá. E ela não gostava dele. As drogas não a fizera a gostar dele, mas pelo menos a ajudaram a suporta-lo. A conviver com seu ódio. 

Até aquele dia. 

Enquanto Liam se distraia com um jogo na tv de segunda mão, Karen amassou várias pílulas de diazepam em um copo e depois o encheu de suco. O garoto sorriu para mãe ao pegar o copo, um sorriso gentil e desprotegido, e bebeu em longos goles. Ela não o amava, mas o conhecia. Sabia que ele amava suco de laranja. Natural, não de pacote. 

Ele ainda segurava o copo quando o efeito começou. Ele era magro mesmo naquela época e por fim desmaiou; seu corpo frágil não aguentando a injeção inesperada de calmantes. 

O copo caiu, quebrando-se, e Liam o seguiu. Os cacos cortaram a lateral de seu pescoço; por isso ele deixou o cabelo crescer quando mais velho. Não suportava olhar para a cicatriz. Mesmo vendo o filho desmaiado em seu próprio sangue, a caminho de uma overdose por remédios em demasia, Karen não sentiu um pingo de arrependimento; não havia remorso ou culpa. Nada. 

— Você não deveria ter nascido. — Ela disse caminhando até a cozinha. Na gaveta de talheres, Karen pegou a faca mais afiada, de cabo de madeira, a lâmina reluzindo na luz do sol que ia embora, mas ainda entrava pela pequena janela. — Você não deveria ter nascido. 

Ela continuou a repetir aquilo ao se ajoelhar perto do filho inconsciente. Os cabelos de Liam caiam ao redor do seu rosto pálido, sua boca estava ficando roxa, e espamas sacuadiam suas mãos. 

Ela levantou a faca no mesmo instante em que Nicolas entrou pela porta; o homem deixou as compras caírem no chão, sacos de papel se espalhando pela entrada, quando viu sua esposa erguendo uma arma letal em direção ao seu filho. 

E então, naquele momento de decepção, ele não amava mais a esposa. Ele não era mais um marido carinhoso que havia feito tudo por ela. Ele era um pai disposto a qualquer coisa para proteger sua cria. Aquela mulher não era mais amada por ele. Aquela mulher estava erguendo uma faca para o seu maior tesouro. Se ela o machucasse, ele não teria mais uma vida, afinal, seu filho de dezesseis anos era a porra da sua vida inteira. 

Nicolas se jogou sobre Karen e ela se defendeu, deslizando a faca em direção ao marido, cortando seu braço. Sangue fluiu, o coração de Nicolas acelerou, mas ele não pararia. Nenhuma dor o faria parar, não quando ele viu que o peito de Liam não sabia, que ele não escutava o som de sua respiração mesmo estando tão perto. 

— Ele não deveria ter nascido! — Karen gritou jogando sua mão para frente, atingindo Nicolas no ombro. Num impulso de autopreservação, num ato de vingança por todos os anos em que ele a viu maltratar sua própria carne e sangue, Nicolas girou o pulso dela até ouvir o barulho do osso quebrando. 

Karen gritou. Alto e estridente; então seu grito se foi. Nicolas enfiou a faca em seu peito. 

Também não houve remorso. Apenas alívio. Tinha acabado. Ela estava morta. 

Ele se virou para o filho, escorregando no sangue da esposa incontestavelmente morta e se jogou sobre ele, gritando ao apertar as palmas em seu peito várias e várias vezes. 

— Nicolas! — Jerry gritou entrando na casa. Seu filho, CJ, estava ao seu lado. 

— Ela o matou! Ela o matou! — Nicolas gritou ainda tentando ressuscitar o filho. 

CJ o empurrou para longe do garoto e deu um soco sobre o coração de Liam. Enquanto Nicolas desabava no chão ensaguentado, Liam soltava uma respiração dura e entrecortada, arquejando por ar depois de passar dois minutos sem respirar. 

— Meu filho… Meu bebê… Oh, meu Deus, meu filhinho… — Nicolas chorava e gritava, se jogando sobre o filho, aliviado, agradecendo a Deus por ele estar vivo. 

Liam abriu os olhos pretos como a mais profunda noite, mas eles se reviraram um segundo antes de espamos tomarem seu corpo; uma convulsão. 

— Ela deve ter dado alguma coisa pra ele! — CJ exclamou. Ele era um drogado e pseudo traficante, sabia bem como uma overdose parecia. — Ele precisa de um hospital! 

No entanto, na mente de Liam, entre o consciente e o inconsciente, palavras que ele não se lembraria depois, mas que havia causado grande estrago em seu cérebro ainda não cem por cento desenvolvido, ecoavam:

Você não deveria ter nascido

E mesmo sem sequer se lembrar que havia ouvido essas palavras, mesmo que fosse uma lembrança presa nas cavernas do seu subconsciente, aquilo marcou sua vida.

DESTRUA-ME. - Saga Inevitável, Segunda Geração: Livro 2.Onde histórias criam vida. Descubra agora