"Seu Uber acabou de chegar."
Uma notificação boba, me avisando dos meus dois minutos para começar a viagem antes que o aplicativo me cobre mais pela espera.
Juntei tudo o que preciso, me preparando para um percurso de trinta e cinco minutos com um completo estranho. Seu nome é Robert, mas na descrição em seu perfil diz que ele prefere ser chamado de Rob. Também na descrição descobri que fala um pouco de espanhol e o básico de francês e que gosta bastante de livros de romance policial. Eu sei, muito informação para um perfil de motorista de Uber, no entanto a tendência a esses tipos de descrição tornou-se bem comum de uns tempos para cá. Deixa os passageiros mais à vontade, ou ao menos é essa a intenção.
A viagem deve ser bem agradável. Temos coisas em comum. Também sou fascinada por romances criminais e sei um pouquinho de francês, resultado de minhas infindáveis visitas à França quando ainda era criança. Com meu laptop e minha câmera em sua case deixei minha casa, tomando o cuidado de trancar tudo.
Ah, o outono! Minha estação favorita.
O ar tem uma sensação gostosa, o sol está grande e lindo com um tom amarelo-alaranjado e as nuvens percorrem o céu devagar brancas e fofas feito algodão-doce. Sempre planejo minhas saídas com cuidado, espero por dias como este. Me deixam mais motivada, inspirada.
Da porta já consegui avistar o carro preto parado do outro lado da rua. Atravessei e aproveitei inspirar e respirar o ar gostoso da manhã mais uma vez antes de entrar no veículo. Alcançando a porta do carona, puxei a trava e abri. Robert me fitou, um sorriso amigável no rosto:
— Bom dia, Izabel!
Sorri de volta, sentando no banco com minhas bolsas no colo.
— Bom dia, Rob! Como vai?
— Muito bem. O clima está ótimo, então nada a reclamar. — olhou seu telefone aberto no aplicativo com nossa rota. — E você, como está?
Coloquei o cinto de segurança, pois ei, segurança no trânsito em primeiro lugar!
— Vou bem também. E tenho que dizer o mesmo, o clima está perfeito! — respondi.
Robert confirmou com a cabeça, em seguida deu partida no carro e começamos a deixar a rua da minha casa.
— Se importa se eu colocar minhas coisas no banco de trás?
— Claro que não. Fica à vontade. — ele não desviou a atenção do caminho ao responder.
Não gosto de sentar no banco traseiro quando pego táxis e afins ou até mesmo caronas no geral. Minha mãe sempre disse que sentar no banco de trás quando só estão você e o motorista é falta de respeito. Faz a pessoa parecer um chofer, o motorista no caso.
Também não gosto de viagens silenciosas, são estranhas e me deixam ansiosa. Talvez possamos começar uma conversa, se o assunto for de mútuo interesse:
— Na descrição do seu perfil diz que você gosta de thrillers e romances policiais...
Robert riu.
Bom, talvez não seja a melhor abordagem para uma conversa motorista e passageira em início de manhã.
— É, eu gosto. Acho foda como os assassinatos e investigações se desenrolam. — sorriu. Depois o cenho franziu levemente. — Me perdoe pelo palavrão.
Dei de ombros.
— Que nada! Não ligo que use palavrões, eu mesma os digo sem parar. Então, prefere ficção ou não-ficção? — fiz outra pergunta, sem me preocupar se pareço estranha por me interessar demais.
— Gosto dos dois. — me deu uma breve olhada pelo retrovisor. — Você?
— Prefiro não-ficção. — dei um sorrisinho de canto. — É muito interessante, fascinante na verdade, ler o que se passa na mente de um assassino, um psicopata e ver como são diferentes do resto da sociedade.
Ele assentiu.
— É exatamente por isso que adoro ler esses tipos de livro, mesmo os de ficção. Não acho que eu teria capacidade de escrever sequer uma frase tão violenta e complexa em um livro.
— Não é? — concordei.
— Só sei que saber que uma situação dessas pode acontecer a qualquer um, tal como nesses livros, é assustador pra caralho.
— A realidade supera a ficção.
O silêncio reinou por alguns minutos. Não um silêncio insuportável e estranho. Só... silêncio.
— Tem algum tipo de música que gostaria de ouvir?
Balancei a cabeça em um não e ele percebeu.
— Pode colocar o que quiser. — eu disse apenas. Ele parece tão interessante. Vamos ver se tem bom gosto para música.
Robert abriu o Spotify na mesma hora em que paramos em um sinal. Ele rolou pelas playlists e entrou em uma intitulada oldies. Selecionou o botão de shuffle e Time of the season do The Zombies preencheu o ambiente.
Ora, ora. O gosto dele parece muito bom e essa música em especial me faz lembrar coisas.
Estiquei meu braço para o banco traseiro e peguei a bolsa da minha câmera. Liguei o aparelho caro e fui passando pelas fotos que tirei. Não consegui segurar um sorriso ao ver todo o vermelho, todas as expressões, paisagens, todos os olhares.
— Espero que goste de The Zombies. — Rob tirou-me de meus devaneios, ao que guardei a câmera de volta em sua case com um pouco de pressa.
Foi por pouco ele não ter conseguido espiar. Mas minha atuação e casualidade de hoje ainda poderiam levar um Oscar, devo dizer.
— The Zombies é ótimo. — forcei um sorriso convincente pela centésima vez.
O tolinho nem desconfia de qual lugar é o meu — nosso — destino e que logo, logo estará na primeira página dos jornais e em todos os noticiários. Não voltará para casa, não verá sua família, assistirá TV, nem tomará sua cerveja, ou o que quer que esteja acostumado a fazer em sua vidinha ordinária. Será o protagonista, a vítima. Tal como os thrillers que costuma ler.
E é isso o que eu chamo de dia perfeito!
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Dia Perfeito
Short StoryUm conto sobre o cruzar de caminhos de uma fotógrafa? E um motorista de Uber. Dia perfeito para quem?