A sopa que você deixou para trás

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Otávio cuida de todo mundo e ninguém cuida dele. Isso é um fato universal.

Dona Amália julgava a si mesma por constatar isso também, ela queria cuidar mais do filho, mas ele não deixava. Desde bem pequeninho que Otávio tem esse dom de cuidar. Quando ela ficou doente, foi aí que Otávio Júnior se ergueu e honrou o homem que lhe deu o nome. Trabalhava para não deixar faltar nada em casa enquanto sua mãe não podia mais costurar seus vestidos de noiva, fez uma tabela com os horários dos medicamentos, esteve do lado dela em todos os momentos, quis abrir mão da faculdade para ser mais presente.

Dali em diante, ela perdeu a corda, o moreno não aceitava mais ser cuidado, guardava tudo para si, não sabia mais pedir ajuda, não sabia pedir socorro.

Letícia era uma garota legal, dona Amália gostava muito da nora. Sinceramente, nunca acreditou que aquele noivado realmente viraria casamento, mas tinha fé que os dois perceberiam isso em algum momento. Otávio não sentia prazer em cuidar dela e nem percebia isso; a moça também não tinha espaço para cuidar dele. Ela foi uma noiva que não tinha certeza dos sentimentos de seu noivo, não o conhecia tão profundamente, o advogado não permitia ser conhecido por qualquer um.

Com um bebê no colo, dona Amália não continha o sorriso, segurava na mãozinha de Tales observando Ana Clara ter liberdade em sua cozinha. Observava a cena com sua sabedoria de mulher que já viu de tudo nessa vida, de mulher que conhece bem o filho e que sabia que ele não se deixa ser cuidado por qualquer um.

Ana Clara passou na feira e trouxe alguns ingredientes para cuidar da garganta inflamada de Otávio, não era nada sério, porém ela fez questão de estar presente. Dona Amália viu a loira recheada de uma preocupação quase maternal, estava na cara que ela era feita do mesmo material que Otávio foi fabricado, os dois cuidam demais.

– Eu duvido ele voltar a ter febre com esse chá. – disse a loira – Isso tira toda infecção do corpo, receita da minha avó – garantiu.

– E esses legumes que você trouxe? – perguntou a mais velha espiando as sacolas de feira.

– Ah, eu pensei em fazer uma sopinha para ele. – sorriu de um jeito tão fofo que puxou um sorriso da morena também – A senhora pode dizer se não quiser que eu faça, a cozinha é sua...

– Imagina! Não faço a mínima questão de cozinha, Otávio cozinha aqui mais do que eu. A casa é sua!

– Eu já estou bem, não precisa disso tudo – disse Otávio com a voz meio rouca.

– Agora que lembrei! Eu trouxe pastilhas para a garganta. – disse ela voltando às suas sacolas cheias de coisas – Chupa as pastilhas, depois vai beber chá com anti-inflamatório e vai tomar a sopa.

Clara fez questão de levar as pastilhas até ele e as estendeu na direção da sua boca ignorando a mão erguida do rapaz, Otávio abocanhou a encarando com estranhamento.

– Nem minha mãe faz isso por mim – ele murmurou.

– Não faço mesmo! Olha para minha cara de quem vai dar pastilha na boca de um homem desse tamanho. Eu só cuidava quando era um bebê fofinho igual esse aqui – dona Amália beijou a bochecha de Tales.

Ana o ignorou e voltou para a cozinha para servir o chá fumegante numa caneca e o deixou sobre a mesa esperando esfriar.

– Bom, já que o meu bebê está sendo bem cuidado, eu vou para a casa do Paulo – anunciou a mulher entregando Talequinho ao filho doente.

– Esse cara não pode passar uma noite sem você? – Otávio indagou carrancudo.

– Eu que não posso passar essa noite sem ele. Comprei lingerie nova – disse só para provocar o filho.

O que você deixou para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora