viagem

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Acho que finalmente entendi a minha mãe quando ela dizia que havia momentos que mudavam a nossa vida, infelizmente esse momento tinha acontecido quando tinha 18 anos, desde esse dia nunca mais fui a mesma, nem eu nem ninguém na minha família, ou seja, a minha mae.
Fazia hoje dois desde que esse momento tinha acontecido e era hoje também outro dia marcante, acho que escolhia propositadamente este dia para fazer coisas intensas para tentar esquecer esse momento, por mais que tentasse não resultava.
-Daqui a 5 minutos chegamos a Barcelona. -Ouvi o motorista do autocarro dizer num berro que me assustou.
Na minha cabeça era impossível estar agora a vir para um país novo, começar um nova etapa na minha vida e deixar para trás tudo... Menos a minha roupa e sapatos, era viciada em moda desde que nasci, achava que a roupa conseguia transmitir tudo o que queria dizer mas não conseguia, desde combinações de padrões, a cores e tecidos diferentes, faziam-me feliz.
Olhei para a roupa que estava a usar... Bem acho que calças de fato de treino e uma sweat diziam muito sobre o meu humor hoje, e eram também o outfit mais apropriado para ir para entrevistas de emprego... Várias entrevistas de emprego.
A nova etapa na minha vida não se pagava sozinha (infelizmente) por isso a minha vinda para Barcelona foi estrategicamente pensada para chegar às 9 da manhã e conseguir ter um dia todo cheio de entrevistas e à noite ir para o apartamento mais barato que tinha conseguido encontrar em Barcelona... Era dividido com uma rapariga que por telefone pareceu-me ser simpática e foi a única que não me fez perguntas sobre a razão de estar a vir para Barcelona.
-Chegámos. -Berrou o homem do autocarro e assustou-me outra vez. Olhei para as horas no telemóvel e vi 9:05, 5 minutos de atraso para uma viagem de horas não me parecia mal, assim que olhei para a tela de ecrã foi-me impossível não reparar na pulseira que tinha ao pulso, era simples de prata com uma pequena missanga de prata também, foi a última coisa que ele me deu, e o presente de aniversário mais querido que alguma vez tivera...
-A menina não ouviu? Chegámos, é bom que saia do autocarro já e vá buscar as suas malas antes que alguem as leve. -Olhei para o motorista que agora estava à minha frente... Acho que nunca me ia habituar ao tom rude e presunçoso dos espanhois.
Levantei-me fui buscar a minha bagagem que com sorte ainda estava no porta-bagagens e fui à procura do metro, enquanto procurava e tentava perguntar a pessoas diferentes por instruções mas estavam demasiado ocupadas para me responder que recebi duas notificações, uma da colega de casa a dizer que podia deixar as coisas mais cedo lá se quisesse e outra a dizer que a minha primeira entrevista de trabalho de hoje tinha sido adiada para as 10, o que dava com que eu conseguisse ir deixar as coisas ao apartamento e fosse ter ao destino sem problemas... Acho que hoje o destino estava a meu favor.
Encontrei finalmente a entrada do metro e consegui acertar na linha (felizmente, porque não tinha tempo para atrasos), cheguei à estação que era suposta sair e tive de andar às voltas durante 20 minutos até encontrar o apartamento. Era um dos apartamentos mais velhos da rua, as portas eram de um material fragil, a tinta estava gasta e as janelas pareciam deixar passar o frio todo, era bem diferente do meu apartamento em Lisboa, numa das zonas mais nobres da cidade, mas se queria começar do 0 acho que ia ter de me habituar a por panos na janelas para não entrar humidae.
Toquei à campainha, ninguém atendeu e respirei fundo... Tentei outra vez e agora finalmente abriram a porta.
Subi as escadas com as minhas malas incrivelmente pesadas, não queria arriscar ir pelo elevador decadente que de certeza que só ia parar lá em baixo.
A porta do apartamento já estava aberta e estava uma rapariga de cabelos ruivos (claramente falso) à porta com música de jazz no fundo, o nariz dela era arqueado e tinha poucos lábios para a sua cara redonda, era um pouco diferente das raparigas espanholas que estava habituada a ver, a sua pele não era morena mas sim pálida e não tinha muitas curvas no corpo... Mas o estilo... Esse era inteiramente espanhol, estava de sandálias com franjas e tachas (um ataque agressivo à moda), calções cor de rosa que nada combinavam com as sandálias e um crop top branco que dizia "Viva la vida loka" em dourado.
-Ah és tu, pensava que era o meu namorado. -Disse ela em tom de desânimo, okay afinal não tinha tido tanta sorte na colega de casa como pensava.
-Ahmmm eu vou passar o dia fora em entrevistas, não precisas de te preocupar comigo. -Disse eu enquanto entrava na casa que surpredentemente parecia melhor por dentro do que pelo lado de fora.
A sala estava mobilada com uma decoração super cool, sofás com cores vibrantes e móveis com formas engraçados, havia uma estante com discos de vinis e outra cheio de livros coloridos, no meio da sala havia um leitor de vinis.
-Okay, vou só mostrar-te muito rápido a casa... A sala não tem nada de especial mas sextas sábados e domingos é minha. -Disse ela num tom monótono, agora percebia o porque da renda ser tão barata.
-O teu quarto é naquela porta à direita e podes decorar como quiseres desde que depois consigas tirar tudo facilmente, na cozinha podes ter a comida que quiseres desde que a compres, não podes tocar na minha comida e eu não tocarei na tua... Os quartos têm uma casa de banho conjunta que podes usar mas tens uma pequena aqui na sala também. A casa não é grande por isso tenta não fazer barulho.
Acenei e fui levar as coisas para o meu quarto que estava completamente vazio, sentei-me na cama e olhei pela janela, a vista era o tijolo do prédio do lado.
Às vezes pensava se era mesmo capaz de fazer isto... Mas tinha de ser capaz, já estava aqui e agora não havia como voltar atrás, será que ele está orgulhoso de mim? As lágrimas vieram-me aos olhos, maioritariamente porque nunca ia saber a resposta a essa pergunta.
-Então o que achaste do apartamento? -Disse Bárbara, e de alguma forma a cara dela fez-lhe sorrir depois daquele momento triste que ia guardar só para ela.
-Melhor do que estava à espera. -Confessei.
Ela riu-se
-És a primeira pessoa a ser sincera. Acho que te cheguei a perguntar nos telefonemas e emails, mas porque vieste para Barcelona? Vivias em Lisboa certo? Ou isso era a rapariga que mandou email depois de ti?
-Ahm sim vivia em Lisboa. -Parece que me ia ter de habituar a ouvir esta pergunta vezes e vezes sem conta. -Queria uma mudança na minha vida.
-Okay parece-me bem, desde que essa mudança não seja fazeres barulho todas as noites, hoje vais a entrevistas não é? Queres que te ajude com direções? Era para ir ter com o meu namorado mas acho que ele já não vem. -Disse ela num tom desanimado, na verdade ela estava cada vez mais a demonstrar-se ser querida.
-Sim vou e agradecia bastante, a linha de metro de Lisboa era um terço desta.
Ela riu-se
-Diz-me só os sítios das entrevistas.
Dei-lhe a lista dos sítios e em frente ao nome estavam as horas de cada uma.
-Hmmm tudo lojas de moda, é isso que vens estudar aqui certo?
-Sim, bem, o meu plano inicial era só trabalhar num sitio mas se pudesse ser no que gosto ainda melhor.
-Okay se quiseres posso-te levar aos sítios, não são muito longe daqui e depois podemos almoçar juntas. -Disse ela com um sorriso.
E assim foi, ela levou-me a todas as entrevistas (não tinha ficado com o emprego em nenhuma delas) e depois fomos comer McDonald's.
-Aprovas o meu estilo?-Disse ela antes de dar uma dentada no hamburguer dela
Acho que a minha expressão demonstrou tudo porque mesmo de boca cheia ela disse:
-é assim tão mau?
Eu ri-me.
-Não é mau, mas pareces a típica espanhola que ouve Bad Bunny e pensa que o conseguia pegar só pela t-shirt dizer loka e não louca.
-Okay isso é uma ofensa, eu nem gosto de Bad Bunny, afinal preciso mesmo de mudar o meu estilo. -Disse ela num tom triste. -Mas ele é giro não me importava de o pegar.
-Se calhar isso aconteceria mais facilmente sem essas sandálias. -Disse eu e ela deu me um encontrão e rimos-nos as duas.
-Na verdade não preciso dele se ele não vai gostar de mim e das minhas sandálias e t-shirt a dizer loka.
-Points were made. -Disse eu.
-Sabes que tenho uma amiga a trabalhar numa loja desportiva e de ténis se quiseres posso falar com ela e ver se precisam de alguem para o verão.
Pensando bem era uma alternativa que eu gostava já que tinha basicamente sido rejeitada em todas as entrevistas até agora.
-Isso era mesmo bacano se não te importasses, mas vou ver primeiro as outras entrevistas. -Disse eu para tentar não parecer muito desesperada.
-Okay... mas só para saberes a minha amiga tem um estilo muito mais cool que eu.
Rimos-nos as duas e voltámos a acabar o nosso hamburguer.

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⏰ Última atualização: Jul 14, 2022 ⏰

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