intragável

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esfrego meus olhos cobertos de poeira cósmica. por que ainda não consigo enxergar bem? 

quando encosto na sua pele, ela parece me repelir. meus dedos ardem, se tornando uma mistura de vermelhidão alaranjada que sai pus. consigo ver com a visão embaçada seus fios loiros vívidos, seus lábios rosados em um linha tênue e subitamente inexpressivos, seus olhos castanhos ainda cravado nas minhas orbes trêmulas. os astros estão rodando em volta de ti, os telescópios todos virados na sua direção, todos vangloriando-se de te ter no sistema solar, todos querendo se aproximar, encostar, ao menos dizer que viram-te. até o nome do sistema remete à você. a teoria heliocêntrica. o sistema solar.

fragmentos de gelo nos cercando. tu se importarias se eu deixasse que eles me congelassem e me soterrassem em uma neve inescapável? me esforço para ter ao menos um vislumbre de você se agoniando com meu desfalecimento, porém nada me vem a mente. prendo a língua, a engulo de volta e repito que sim, jiwon se importaria.jiwonseimportariajiwonseimportariajiwonnãoseimportaria...

quando apoio meu queixo no seu ombro, a temperatura angustiante me deixa nauseada, frágil, tonta, engolida por um redemoinho álgido e pulsante, minha pele se revirando e voltando, o ar saindo difícil dos pulmões já importunados. como um chicote invisível, toda vez que me aproximo tenho que lembrar-me que nós duas sairemos destruídas. só continuamos inteiras por um milagre improvável, ou senão o sol explodiria, os telescópios extinguiriam e só sobraria pele morta na terra, um lembrete nostálgico do que um dia já fui, do que um dia já existi, do que um dia já senti, a liberdade doce e agradável nas minhas papilas gustativas.

é uma ousadia unilateral, estou disposta a arriscar toda a minha luz por ti. tento capturar todas as estrelas de todas as galáxias, um suor infinito e frio escorrendo de todo meu corpo. meu cérebro diz que vou morrer, meu coração diz que jiwon ficará exuberante com elas no cabelo, eu digo que sou uma idiota autodestrutiva. eu sei, é o meu coração e o meu cérebro, mas esses dois órgãos são traiçoeiros e evito deixar me levar por qualquer um deles somente, entretanto mesmo a combinação teoricamente equilibrada dos dois não é suficiente nem confiável o bastante.

me desdobro, me reduzo, aumento, estico, amasso, trituro, rasgo, contorço, altero, não sinto, não digo, guardo, mantenho, sorrio, aperto, torço, arranco, arranho, minha alma implorando por misericórdia enquanto meus órgãos vitais permanecem vomitados sob meus pés. espero que seja o bastante para você.

continuo tentando me segurar, pensar "mantenha-se firme, você é a lua, naoi rei", mas roubei as estrelas, expandi, estou quase destruindo o universo e kim jiwon está tão perto e ao mesmo tão longe, o que eu deveria fazer para te fazer me amar? o que mais eu preciso reduzir, aumentar, alterar, sentir?

eu definitivamente sinto muitas coisas. garfos arranhando intensamente em mesas de ferro, chamas se movimentando, um baque familiar na cabeça, galhos retorcidos de metal que cravo em mim, borboletas vítimas de colecionadores, estômagos com borboletas e vagalumes mortos, casacos pinicando a pele já cheia de bolinhas vermelhas, eu torcendo o casaco marrom em torno da barriga para te esconder que estou pálida e azulada porque dei meus órgãos para ti. as estrelas realmente estão lindas no seu cabelo e mesmo que seu sorriso radiante signifique que o sufoco continue sendo meu maior companheiro, vou fazer minhas mãos permanecerem firmes sobre as laterais das paredes brancas insossas e vou guardar o líquido dourado que sai da minha derme putrefata em um pote gracioso de diamante para te entregar.

vou pegar todas as minhas composições lunares e fabricar novos telescópios, holofotes e lanternas, todos para virarem para você,  sugar todas as galáxias de canudinho para te vestir de um jeito jamais visto e me derreter aos poucos com um sorriso duro de satisfação ao ver seu entusiasmo.

o maior incêndio já visto. tu és perigosa, jiwon, e eu me arrisquei inteiramente por ti. você segura a minha face e me beija, mas eu não precisava disso. eu precisava de ter meus órgãos de volta. de ter ao menos uma estrela para mim. estás perfeitamente divina e eu não consigo me montar de volta, então me contento com seus lábios que tocaram os meus.

não me amam mais, não se lembram mais, não sentem mais. todos odeiam a lua, o satélite que destruiu o mundo, que se sacrificou miseravelmente. a última visão que tenho é meu coração escurecendo na sua mão esquerda, os olhos em um desespero perturbador e um

— adeus.

minhas papilas gustativas estão amargas. zero batimentos. jiwon recolhe tudo que cuspi em ingratidão logo depois que fecho os olhos. eu queria mais, eu queria tudo, eu queria que me amasse, que eu fosse alguma coisa na sua vida rodeada de adoração, que eu fosse suficiente. eu deveria voltar no tempo e então tentar capturar todo o universo também, será que assim eu iria ser beijada verdadeiramente em um beijo vivo, não morto?

 almas frias com almas quentes dão choque térmico, jiwon, e você é quente demais para mim. eu te peço desculpas e...

NÃO.

eu peço desculpas à mim, por ter te atribuído cada molécula possível minha e não ter sobrado nada para mim mesma além de resquícios mortais que agora transitam por aí em uma escuridão imensa, apenas um lembrete que nunca mais será lembrado de que algum dia a lua existiu e nunca foi extraordinária, nunca foi amada, apenas servia para iluminar a noite. apenas um lembrete de que naoi rei não nasceu para ser amada. rei nasceu para amar, e isso a destruiu. 

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  dedicado às mil pessoas que habitam em mim, mas principalmente à ana clara.











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